Monday, March 4, 2013

CONHECENDO O BANCO DO VATICANO - parte 1

- corresponde às primeiras dezenove páginas do texto da tradução de IN GOD'S NAME: an investigation into the murder of Pope John Paul I, David Yallop, cap.4

IMPORTANTE:
JÁ LEU AS EXPLICAÇÕES?

tradução de Mariangela Pedro

Quando se tomou o chefe da Igreja Católica, em agosto de
1978, Albino Luciani assumiu o comando de uma
organização realmente singular. Mais de 800 milhões de
pessoas, quase um quinto da população mundial,
4/1consideravam Luciani como seu líder espiritual. Na Cidade
do Vaticano estava a estrutura que controlava não apenas a
fé, mas também a política fiscal da Igreja.
A Vaticano S.A. é uma parte vital dessa estrutura. Feita de
tijolo e argamassa, dentro de certa filosofia. Atribui-se a Paul
Marcinkus, do Banco do Vaticano, o seguinte comentário:
- Não se pode administrar a Igreja com aves-marias.
Obviamente, o poder da oração foi desvalorizado, junto com
muitas moedas do mundo, nos últimos anos. Marcinkus não
deve ser condenado pelo que pode parecer um comentário
materialista. A Igreja desempenha muitos papéis, em muitos
países. Precisa de dinheiro. A quantidade de dinheiro já é
outra questão. O que se deve fazer com esse dinheiro
também. Não resta a menor dúvida de que faz muita coisa
boa. E também é incontestável que se faz muita coisa
altamente questionável. Há incontáveis trabalhos publicados
com detalhes das muitas obras de caridade financiadas pela
Igreja, da ajuda que presta para atenuar a fome no mundo e
para aliviar sofrimento de todos os tipos. Educação,
assistência médica, alimentação, habitação... esses são alguns
dos benefícios proporcionados pelo trabalho da Igreja. O que
falta é quanto a Igreja ganha e como ganha. Nessa questão, o
Vaticano é e sempre foi reticente. Esse sigilo inevitavelmente
acarretou um dos maiores mistérios não esclarecidos do
mundo. Quanto vale a Igreja Católica?
Em meados de 1970, comentando o artigo de um jornal suíço,
4/2que disse que "o capital produtivo do Vaticano pode ser
calculado entre 50 e 55 bilhões de francos suíços"
(aproximadamente 13 bilhões de dólares), L'Osservatore
Romano [1] assim se manifestou:
É uma cifra simplesmente fantástica. Na
realidade, o capital produtivo da Santa Sé,
incluindo depósitos e investimentos, na Itália e no
exterior, está longe de alcançar um centésimo
dessa quantia.
Isso situaria os recursos do Vaticano, em 22 de julho de 1970,
em 46 milhões de libras ou 111 milhões de dólares. A
primeira falsidade contida nessa declaração é a exclusão dos
recursos do Banco do Vaticano. Seria a mesma coisa que
pedir à ICI ou à Dupont que revelasse o total de seus recursos
e receber como resposta o total do que se costuma chamar de
caixa pequena. Mesmo excluindo-se os lucros anuais do
Banco do Vaticano, a cifra citada em L'Osservatore Romano
é uma mentira afrontosa. Mas era uma mentira que tornaria a
ser ouvida ao longo dos anos. Em abril de 1975, Lamberto
Fumo, de La Stampa, perguntou ao cardeal Vagnozzi:
- Se eu calculasse 300 bilhões de liras como patrimônio
produtivo das cinco centrais administrativas, estaria
próximo da realidade?
Deliberadamente, Fumo excluía o Banco do Vaticano de sua
--
nota 1 Jornal “semi-oficial” publicado pela Cúria Romana. Sai à tarde,
com a data do dia seguinte, o que costuma gerar confusão.
4/3pergunta. Ele obteve a seguinte resposta de Vagnozzi:
- Posso lhe garantir que o patrimônio produtivo da Santa Sé,
na Itália e no resto do mundo, é menos de um quarto da
quantia que menciona.
Se isso fosse verdade, em 10 de abril de 1975 a riqueza
produtiva da Santa Sé, excluindo-se o Banco do Vaticano,
seria inferior a 75 bilhões de liras ou aproximadamente 113
milhões de dólares. Um único centro administrativo do
Vaticano, a APSA, é considerado um banco central pelo
Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Banco
Internacional de Compensação, com sede na Basiléia. Todos
os anos, a equipe de Basiléia publica as cifras anuais que os
bancos centrais do mundo depositaram ou tomaram
emprestadas de outros bancos do Grupo dos Dez. As cifras de
1975 mostram que o Vaticano possuía 120 milhões de dólares
depositados em bancos estrangeiros e que não tinha dívidas, o
único banco do mundo inteiro que se encontrava em tal
situação. Isso incluía apenas um setor do Vaticano e, para se
determinar a riqueza verdadeira desse centro administrativo,
pode-se acrescentar muitos outros bens tangíveis.
Como Roma, a riqueza do Vaticano não se fez num dia. O
problema de uma Igreja rica - e todos os que aspiram seguir
os ensinamentos de Jesus Cristo devem considerar essa
riqueza como um problema - tem suas raízes no século IV.
Quando o imperador romano Constantino converteu-se ao
catolicismo e deu sua fortuna colossal ao papa de então,
Silvester I, este se tornou o primeiro papa rico. Dante conclui
4/4o Inferno com as seguintes palavras:
Ah, Constantino, quanto infortúnio causaste,
Não por te tornares cristão, mas pelo dote
Que o primeiro papa rico aceitou de ti.
A reivindicação da fé católica à singularidade é válida. Tratase
da única organização religiosa do mundo que tem como
sede um Estado independente, a Cidade do Vaticano, que tem
suas próprias leis. Com seus 108,7 acres, é menor do que
muitos campos de golfe do mundo. É do tamanho do St.
James's Park, em Londres, e aproximadamente um oitavo do
Central Park, em Nova York. Um passeio a pé, sem nenhuma
pressa, por toda a Cidade do Vaticano, leva pouco mais de
uma hora. Para se contar a riqueza do Vaticano seria preciso
muito mais tempo.
A riqueza moderna do Vaticano teve sua origem na
generosidade de Benito Mussolini. O Tratado de Latrão de
seu governo, com o Vaticano, concluído em 1929,
proporcionava à Igreja Católica uma ampla variedade de
garantias e benefícios. A Santa Sé obteve reconhecimento
como um Estado soberano, ficou isenta do pagamento de
impostos, tanto por suas propriedades como por seus
cidadãos. Além de não pagar taxas sobre mercadorias
importadas, contava com imunidade diplomática e os
privilégios inerentes, para os seus próprios diplomatas e os
que eram credenciados como representantes de potências
estrangeiras.
4/5Mussolini garantiu a adoção do ensino religioso católico em
todas as escolas secundárias oficiais e colocou toda a
instituição do casamento sob a lei canônica, que proibia o
divórcio. Os benefícios para o Vaticano foram muitos e os
benefícios fiscais não estavam entre os menores.
Artigo Primeiro: A Itália assume o compromisso
de pagar à Santa Sé, por ocasião da ratificação
do Tratado, a quantia de 750 milhões de liras, ao
mesmo tempo em que entregará títulos da dívida
pública, a juros de cinco por cento, ao portador,
no valor nominal de um bilhão de liras.
Às taxas de câmbio na ocasião, isso representava 81 milhões
de dólares. Um cálculo equivalente para 1984 é de
aproximadamente 500 milhões de dólares. Era a Vaticano
SA. em ação. A situação nunca mais se alterou.
Para manipular essa fortuna inesperada, o Papa Pio XI criou,
em 7 de junho de 1929, a Administração Especial. Designou
o leigo Bernardino Nogara para dirigir esse departamento.
Além de ter muitos milhões de dólares para administrar,
Nogara tinha outro importante trunfo. Uma centena de anos
antes, a Igreja Católica tinha mudado completamente sua
opinião sobre empréstimos. A Igreja pode legitimamente
reivindicar ter alterado o significado da palavra usura.
Tradicionalmente, usura significa todos os ganhos obtidos
através do empréstimo de dinheiro. Várias leis do Estado
tornaram sua prática legal. Por mais de dezioto séculos a
4/6Igreja Católica tinha dogmaticamente estabelecido que a
cobrança de juros em qualquer empréstimo era
completamente proibida por ser contrária às leis divinas. A
proibição foi reiterada em vários concílios da Igreja: Arles
(314 d.C.), Nice (325), Cartago (345), Aix (789), Latrão
(1139) - neste concílio os usurários foram condenados à
excomunhão. Ainda era heresia, portanto, até 1830. A partir
de então, por cortesia da Igreja Católica Romana, usura
passou a significar emprestar dinheiro a juros exorbitantes.
Para defender seus próprios interesses, a Igreja modificou
totalmente sua linha de pensamento com relação a
empréstimos. Talvez se o celibato não fosse mais um dos
preceitos da Igreja, propiciaria uma mudança de opinião no
que diz respeito ao controle da natalidade.
Nogara era membro de uma família católica devota; muitos
de seus membros fizeram, de maneiras diversas,
significativas contribuições à Igreja. Três de seus irmãos
tornaram-se padres, outro tornara-se diretor do Museu do
Vaticano. Mas a contribuição de Bernardino foi, sem sombra
de dúvida, a mais profunda. Nascido em Bellano, próximo do
lago Como, em 1870, alcançou logo sucesso como
mineralogista trabalhando na Turquia. Em 1912,
desempenhou um papel de liderança no tratado de paz de
Ouchy[2] entre a Itália e a Turquia. Em 1919, também foi
representante da delegação italiana que negociou o tratado de
paz entre a Itália, Franca, Reino Unido e Alemanha. Em
--
nota 2 Ouchy é uma localidade na Suíça, onde então a Turquia
reconheceu as conquistas da Itália na Guerra de Tripoli.
4/7seguida, trabalhou novamente para o governo italiano, como
representante do Banca Commerciale, em Istambul. Quando
o papa Pio XI procurava um homem capaz de administrar os
frutos do Tratado de Latrão, seu amigo íntimo e confidente,
monsenhor Nogara, sugeriu seu irmão Bernardino. Com essa
escolha, Pio XI encontrou ouro puro. Nogara relutou em
aceitar o cargo e só o fez depois que o Papa Pio XI concordou
com determinadas condições. Nogara não queria ser
estorvado pelas opiniões tradicionais que a Igreja ainda
pudesse ter sobre ganhar dinheiro. Nogara impôs algumas
regras básicas, entre as quais estavam as seguintes:
1. Qualquer investimento que ele resolvesse fazer
deveria ser total e completamente livre de
quaisquer considerações religiosas ou
doutrinárias.
2. Teria plena Liberdade para investir recursos do
Vaticano em qualquer lugar do mundo.
O papa concordou e isso abriu as portas para especulações de
câmbio e nas Bolsas de Valores, inclusive a aquisição de
ações de companhias que fabricavam produtos incongruentes
com os ensinamentos católicos. Produtos como bombas,
tanques, canhões e anticoncepcionais podiam ser
condenados do púlpito, mas as ações que Nogara
comprava em companhias que fabricavam tais coisas
contribuíam para encher os cofres do Vaticano.
Nogara também especulava no mercado de ouro e nos
mercados futuros. Comprou a Italgas, fornecedora exclusiva
4/8de gás para muitas cidades italianas, colocando na diretoria,
como representante do Vaticano, Francesco Pacelli. O irmão
de Pacelli acabou se tornando o papa seguinte, Pio XII. O
nepotismo que derivava do pontificado tomou-se patente por
toda a Itália. A regra era simples: se há um Pacelli na
diretoria, seis contra quatro como pertence ao Vaticano.
Entre os bancos que caíram sob a influência e controle do
Vaticano, através das aquisições de Nogara, estavam o Banco
di Roma, Banco di Santo Spirito e Casa di Risparmio di
Roma. O homem não apenas sabia manipular dinheiro, mas
também era excepcionalmente dotado na arte da persuasão.
Quando o Banco di Roma estava sob a ameaça de falir,
provocando grandes prejuízos para o Vaticano, Nogara
persuadiu Mussolini a assumir os títulos em grande parte sem
valor e transferi-los para uma empresa holding do governo, a
IRI. Mussolini também concordou que o Vaticano deveria ser
reembolsado não pelo valor atual de mercado dos títulos, que
era praticamente nenhum, mas pelo preço original de compra.
A IRI pagou ao Banco di Roma mais de 630 milhões de
dólares. Os prejuízos foram absorvidos pelo tesouro italiano,
o que é outra maneira de dizer que o povo pagou a conta,
assim como fazia pelos clérigos, na Idade Média.
Muitas das especulações a que Nogara se entregava, por
conta do Vaticano, contradiziam as leis canônica e civil. Mas
como seu cliente era o papa, que não fazia perguntas. Nogara,
um ex-judeu convertido ao catolicismo, não se deixava
perturbar por tais sutilezas.
4/9Usando o capital do Vaticano, Nogara adquiriu parcelas
consideráveis e muitas vezes o controle acionário de uma
companhia depois de outra. Depois de adquirir uma empresa,
ele raramente participava de sua diretoria, preferindo designar
um dos homens de confiança da elite do Vaticano para
defender os interesses da Igreja.
Os três sobrinhos de Pio XII, Príncipes Carlo, Marcantonio e
Giulio Pacelli, pertenciam a essa elite, cujos nomes
começaram a aparecer como diretores numa lista sempre
crescente de companhias. Eram os "Uomini di fiducia", os
homens de confiança da Igreja.
Empresas têxteis. Comunicações telefônicas. Ferrovias.
Cimento. Eletricidade. Água. Bernardino Nogara estava em
toda parte. Quando Mussolini precisou de armamentos para
invadir a Etiópia, em 1935, uma parcela considerável foi
fornecida por uma fábrica de munições que Nogara comprara
por conta do Vaticano.
Compreendendo, antes de muitos, a inevitabilidade da
Segunda Guerra Mundial, Nogara converteu em ouro uma
parte dos títulos à sua disposição. Comprou ouro no valor de
26,8 milhões de dólares, a 35 dólares por onça.
Posteriormente, vendeu cinco milhões de dólares no mercado
livre. O lucro na operação foi superior aos 26,8 milhões de
dólares que ele pagara por toda a quantidade original. As
especulações com ouro continuaram durante todo o tempo em
que controlou a Vaticano S.A.: 15,9 milhões de dólares
comprados entre 1945 e 1953; 2 milhões de dólares vendidos
4/10entre 1950 e 1952. Minhas pesquisas indicam que 17,3
milhões de dólares dessa aquisição original ainda se
encontram depositados em Forte Knox, em nome do
Vaticano. Aos preços atuais de mercado, esses 17,3 milhões
de dólares, comprados originalmente a 35 dólares por onça,
valem agora em torno de 230 milhões de dólares.
Em 1933, a Vaticano S.A. demonstrou novamente sua
capacidade de negociar com governos fascistas. A Convenção
de 1929 com Mussolini foi seguida por uma Convenção entre
a Santa Sé e o Reich de Hitler. O advogado Francesco Pacelli
fora um dos elementos fundamentais no acordo com
Mussolini; seu irmão, o cardeal Eugenio Pacelli, o futuro
Pio XII, teve uma participação destacada, como
Secretário de Estado do Vaticano, na conclusão do tratado
com a Alemanha Nazista.
Hitler achava que havia muitos benefícios em potencial no
tratado, entre os quais o fato de que Pacelli, um homem que
já externava acentuadas atitudes pró-nazistas, poderia se
tornar um aliado útil na guerra mundial, inevitável. A história
provaria que a avaliação de Hitler foi acertada.
Apesar da intensa pressão mundial, o papa Pio XII
recusou-se a excomungar Hitler ou Mussolini. Talvez a
recusa se baseasse na consciência de quão irrelevante ele era.
Seu pontificado foi precisamente um que fingiu neutralidade,
que falou com o episcopado alemão sobre "guerras justas" e
que fez exatamente a mesma coisa com os bispos franceses.
O resultado foi que os franceses apoiaram a participação da
4/11França na guerra, enquanto os bispos alemães defendiam o
esforço bélico da Alemanha. Foi um pontificado que se
recusou a condenar a invasão nazista da Polônia sob a
seguinte alegação:
Não podemos esquecer que há 40 milhões de
católicos no Reich. A que eles não ficariam
expostos depois de um ato assim de parte da Santa
Sé?
Para o Vaticano, uma das maiores vantagens a derivar do
lucrativo acordo com Hitler foi a confirmação do
Kirchensteuer, o Imposto da Igreja. Trata-se de um imposto
que ainda é deduzido na fonte de todos os assalariados na
Alemanha. A pessoa pode optar por renunciar a qualquer
religião e assim se esquivar do imposto. Na prática, porém,
são bem poucos os que fazem isso. Esse imposto representa
entre 8 e 10 por cento do imposto de renda recolhido pelo
governo alemão. O dinheiro é depois encaminhado às igrejas
católica e protestante. Quantias substanciais, derivadas do
Kirchensteuer, começaram a fluir para o Vaticano, nos anos
imediatamente anteriores à Segunda Guerra Mundial. O fluxo
continuou ao longo da guerra, chegando a 100 milhões de
dólares em 1943, por exemplo. No Vaticano, Nogara coloca a
receita alemã para trabalhar junto com as outras moedas que
estavam entrando.
Em 27 de junho de 1942, o papa Pio XII decidiu trazer para o
mundo moderno outra parte do Vaticano, colocando-a no
âmbito de Bernardino Nogara. Mudou o nome da
4/12Administração de Obras Religiosas para Instituto para as
Obras Religiosas. Essa mudança não foi noticiada nas
primeiras páginas dos jornais do mundo, que estavam, então,
mais interessados na Segunda Guerra Mundial. Nascia o IOR
ou Banco do Vaticano, como é conhecido por todos, à
exceção do próprio Vaticano. A Vaticano SA. gerara um filho
bastardo. A função original da Administração, criada por
Leão XIII em 1887, era a de concentrar e administrar
recursos para as obras religiosas; não era absolutamente um
banco. Sob Pio, a função tornou-se "a custódia e
administração de recursos (em títulos e dinheiro) e
propriedades, transferidos ou confiados ao próprio Instituto,
por pessoas físicas ou jurídicas, para os propósitos das obras
religiosas e da piedade cristã". Era e é, em todos os sentidos,
um autêntico banco.
Nogara estudou atentamente o Tratado de Latrão,
especialmente as cláusulas 29, 30 e 31, que cuidavam das
isenções fiscais e da formação de "corporações eclesiásticas",
sobre as quais o Estado italiano não teria controle. Começouse
a discutir o significado exato de “corporações
eclesiásticas". Certamente preocupado com outros problemas
na ocasião, Mussolini adotou uma posição liberal. Em 31 de
dezembro de 1942, o Ministério das Finanças do governo
italiano emitia uma circular, declarando que a Santa Sé estava
isenta do pagamento de impostos sobre dividendos. Era
assinada pelo então diretor-geral do ministério, que
apropriadamente se chamava Buoncristiano (bom cristão). A
circular especificava as diversas organizações da Santa Sé
que estavam isentas do imposto. A lista era longa e incluía a
4/13Administração Especial e o Banco do Vaticano.
O homem que Nogara escolheu para controlar o Banco do
Vaticano foi o padre Alberto di Jorio, posteriormente um
cardeal. Já operando como assistente de Nogara na
Administração, ele passou a atuar nos dois setores, mantendo
o cargo anterior e assumindo o posto de primeiro-secretário e
depois presidente do Banco do Vaticano. Além do controle
acionário de muitos bancos fora dos muros do Vaticano,
Nogara tinha agora dois bancos internos para operar.
Concentrando-se na tarefa de aumentar os recursos do
Vaticano, Nogara foi ampliando suas operações. Os
tentáculos da Vaticano S.A. espalharam-se pelo mundo.
Foram criados vínculos estreitos com inúmeros bancos. Os
Rothschilds de Paris e Londres já faziam negócios com o
Vaticano desde o início do século XIX. Com Nogara no
comando financeiro do Vaticano, esses negócios aumentaram
consideravelmente, incluindo o Crédit Suisse, Hambros, J.P.
Morgan, The Bankers Trust Company de Nova York.
Bastante úteis quando Nogara queria comprar e vender ações
na Bolsa de Valores de Wall Street eram o Chase Manhattan,
First National e Continental Bank de Illinois.
Certamente, Nogara não era um homem com quem se
pudesse jogar “Monopoly”[3]. Além de bancos, ele adquiriu
para o Vaticano o... controle acionário de companhias nos
setores de seguros, siderurgia, financiamento, farinha de trigo
--
nota 3 Jogo de tabuleiro da Parker Brothers que, resumidamente,
consiste na competição por aquisição de riqueza.
4/14e macarrão, indústria mecânica, cimento e imobiliário. No
último setor, o Vaticano adquiriu pelo menos 15 por cento de
uma gigantesca empresa italiana, a Immobiliare, o que
proporcionou à Igreja uma espantosa variedade de
propriedades.
A Società General Immobiliare é a mais antiga companhia
construtora da Itália. Através de outra firma, a SOGENE, a
Immobiliare - e, por conseguinte, o Vaticano, embora apenas
até certo ponto - possuía o Hilton de Roma; Itale Americana
Nuovi Alberghi; Alberghi Ambrosiani, em Milão;
Compagnia Italiana Alberghi Cavalieri; e Soc. Italiani
Alberghi Moderni. Esses são simplesmente os maiores hotéis
da Itália. A relação de grandes prédios e companhias
industriais também abrangidas é duas vezes maior.
Na França, eles construíram um enorme prédio de escritórios
e lojas, na Avenue des Champs Elysées, 90; outro na Rue de
Ponthieu, 61, e um terceiro na Rue de Berry, 6. No Canadá,
possuíam o edifício mais alto do mundo, a Torre da Bolsa de
Valores, em Montreal, além da Port Royal Tower, com 224
apartamentos, um vasto loteamento em Greensdale,
Montreal...
Nos Estados Unidos, tinham, em Washington, cinco imensos
prédios de apartamentos, inclusive o Watergate Hotel; em
Nova York, possuíam uma área residencial de 277 acres,
situada em Oyster Bay. No México, possuíam toda uma
cidade-satélite da Cidade do México, chamada Lemas
4/15Verdes.
A lista de propriedades é quase interminável. Nogara também
comprou ações da General Motors, Shell, Gulf Oil, General
Electric, Bethlehem Steel, IBM e TWA. Se as ações
oscilavam – e sempre para cima –, eram homens como
Nogara que provocavam o movimento.
Nogara aposentou-se em 1954, mas continuou a oferecer seus
conselhos financeiros ao Vaticano até sua morte, em 1958. A
imprensa quase não mencionou a sua morte, pois a maior
parte das atividades de Nogara por conta da Igreja Católica
permanecera envolta em sigilo. Esse homem – que
demonstrou que, independentemente do lugar em que pudesse
estar o Reino de Cristo, o da Igreja Católica era certamente
neste mundo – recebeu um epitáfio apropriado do cardeal
Spellman, de Nova York:
Depois de Jesus Cristo, a melhor coisa que já
aconteceu à Igreja Católica foi Bernardino
Nogara.
Começando com 80 milhões de dólares, menos os 30 milhões
de dólares que Pio XI e seu sucessor Pio XII retiravam para
aplicar em seminários regionais e casas paroquiais no Sul da
Itália, a construção de San Travestere e a instituição da
biblioteca e galeria de arte do Vaticano, Nogara criara a
Vaticano SA. Entre 1929 e 1939, ele também tinha acesso à
coleta anual dos Dízimos de Pedro. Com os 'dízimos" dos
fiéis e mais as liras de Mussolini, e os marcos de Hitler,
4/16entregou a seus sucessores uma gama ampla e complexa
de ativos financeiros, sendo pelo menos 500 milhões de
dólares controlados pela Administração Especial, 650
milhões de dólares controlados pela Seção Ordinária da
APSA, sem falar nos recursos do Banco do Vaticano,
ultrapassando 940 milhões de dólares, com um lucro
médio anual de 40 milhões de dólares indo diretamente
para o papa. Em termos capitalistas, os serviços prestados
por Nogara à Igreja Católica foram um sucesso
extraordinário. À luz da mensagem contida no Evangelho,
foram um desastre total. O Vigário de Cristo adquirira um
novo título, extra-oficial: Presidente do Conselho de
Administração [da Vaticano S.A.].
Quatro anos depois da morte de Nogara em 1958, o Vaticano
sentiu necessidade premente de uma competência como a
dele. O governo italiano da época tornara a levantar o
espectro de taxar os dividendos. O que se seguiu tem uma
relação direta com uma seqüência de desastres para o
Vaticano, incluindo envolvimentos com a máfia, chantagem
financeira e assassinato.
Começando em 1968. Em qualquer lista, 1968 deve figurar
como um dos piores na história da Igreja. Foi o ano da
Humanae Vitae. Foi também o ano em que O Gorila e O
Tubarão ficaram à solta nos dois bancos do Vaticano. O
Gorila é Paul Marcinkus; O Tubarão é Michele Sindona.
Benjamin Franklin comentou, de maneira memorável: "As
únicas coisas certas neste mundo são a morte e os impostos".
4/17Não são muitos os que contestam essa afirmativa. Entre os
poucos que o fazem, estão os homens que controlam as
finanças do Vaticano. Eles têm efetuado os esforços mais
vigorosos para se livrar do pagamento de impostos.
Em dezembro de 1962, o governo italiano ratificou a
legislação que aplicava impostos aos lucros sobre os
dividendos de ações. Inicialmente, o imposto foi fixado em
15 por cento. Depois, como acontece com os impostos, foi
dobrado.
A princípio, o Vaticano não levantou nenhuma objeção a
pagar o imposto, pelo menos publicamente. Particularmente,
através de canais diplomáticos, sugeriu ao governo italiano
que, "de acordo com o espírito de nosso acordo e levando-se
em consideração a lei de 2 de outubro de 1942, seria
desejável que fosse concedido um tratamento privilegiado à
Santa Sé".
A carta secreta do então secretário de Estado do Vaticano,
cardeal Cicognani, ao embaixador italiano na Santa Sé,
Bartolomeo Mignone, relata em detalhes qual deveria ser
exatamente esse "tratamento privilegiado": isenção fiscal para
uma lista de departamentos tão longa quanto o braço de um
cardeal, incluindo, como não podia deixar de ser, os dois
bancos do Vaticano, a Administração Especial e o IOR.
O Vaticano queria atuar no mercado de capitais, mas sem
pagar por esse privilégio. O governo de minoria, democratacristão,
apoiado pelo Vaticano, baixou a cabeça, beijou o
4/18anel papal e concordou com a solicitação do Vaticano. O
parlamento italiano não foi consultado, a opinião pública não
tomou conhecimento. Quando o governo minoritário caiu,
sendo substituído pelo de Aldo Moro, com uma coalizão
entre democrata-cristãos e socialistas, o cargo de ministro das
finanças foi para o socialista Roberto Tremelloni. Ele não se
sentia propenso a aprovar o que era, claramente, um acordo
ilegal feito por seu antecessor, sem ratificação do parlamento
e, o que era ainda mais importante, oito dias depois de o
governo ter renunciado.
Aldo Moro, confrontado por um lado com um ministro das
finanças que ameaçava renunciar e, por outro, com um
Vaticano intransigente, procurou um meio-termo. Pediu ao
Vaticano que apresentasse uma relação de suas ações, como
um prelúdio para a obtenção da isenção fiscal. O primeiroministro
achava, com toda razão, que a nação italiana deveria
saber de quanto dinheiro seria privada. O Vaticano se recusou
a revelar os detalhes e proclamou que era um Estado
soberano. O que decorre é que seria, sob essa lógica,
perfeitamente aceitável explorar o mercado de capitais de
outro Estado soberano e obter lucros com isso, sem que o
Estado explorado possa tomar conhecimento de quanto está
sendo privado.
Diversos governos subiram ao poder e caíram. O problema
era discutido intermitentemente no parlamento italiano. Em
determinado momento, em 1964, o Vaticano demonstrou até
que ponto abandonara o ditame de Cristo, de que "meu reino
não é deste mundo", passando a adotar os ensinamentos de
Bernardino Nogara: "aumente as dimensões de sua
companhia, porque, assim, os controles fiscais por parte do
governo se tornam proveitosamente difíceis". A companhia a
que Nogara se referia era a Vaticano S A., e o governo era
constituído pelos infelizes do outro lado do Tíbre, obrigados a
suportar um paraíso fiscal em pleno coração de Roma.
4/19

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