Monday, March 4, 2013

CONHECENDO O BANCO DO VATICANO - parte 2

corresponde às páginas 20 a 39 do texto da tradução de IN GOD'S NAME: an investigation into the murder of Pope John Paul I, David Yallop, cap.4
IMPORTANTE:
´JÁ LEU AS EXPLICAÇÕES?


ONDE ESTÁ A PRIMEIRA PARTE?
AQUI

tradução de Mariangela Pedro

Em junho de 1964, com Aldo Moro outra vez no poder, aIgreja dos pobres ameaçou destruir toda a economia italiana.
Durante as negociações, representantes do Vaticano
declararam ao governo italiano que lançariam no mercado
todas as ações que possuíam na Itália, se suas reivindicações
não fossem atendidas. Com essa jogada, escolheram o
momento certo. O mercado de ações italiano passava por um
momento particularmente difícil, com as ações caindo
diariamente. Lançar subitamente no mercado a vasta
quantidade de ações possuída pelo Vaticano destruiria por
completo a economia da Itália. O governo italiano,
confrontado por essa realidade, acabou capitulando. Em
outubro de 1964, foi elaborado um projeto de lei que
ratificaria o acordo ilegal.
O projeto não chegou a ser encaminhado ao parlamento,
principalmente porque os governos caíam muito depressa,
antes mesmo que os diversos ministros das finanças
pudessem descobrir o que havia à espera para ser examinado
por eles. Enquanto isso, o Vaticano continuou a desfrutar da
isenção fiscal. Não pagava impostos sobre suas ações desde
abril de 1963.

4/20
Em 1967, a imprensa italiana, especialmente a
de esquerda, voltou ao ataque. Queria saber por quê. Queria
também saber o quanto. Queria saber quantas ações o
Vaticano possuía no país. As cifras se tornaram vertiginosas.
Variavam de estimativas que apontavam o valor dos
investimentos do Vaticano no mercado de ações italiano em
160 milhões de dólares, a outras que se elevavam a 2,4
bilhões de dólares.
Em março de 1967, o então ministro das finanças italiano
Luigi Preti, em resposta a indagações no senado, prestou
alguns esclarecimentos oficiais sobre as ações possuídas pelo
Vaticano na Itália. Seu relatório indicava que o maior
investidor do Vaticano era o IOR, seguindo-se a
Administração Especial. Diversos outros departamentos do
Vaticano, com nomes pomposos como Obra de São Pedro,
Sociedade Pontifical para o Apóstolo São Pedro,
Administração do Patrimônio da Santa Sé e Propaganda
Fide, também especulavam no mercado de ações. Preti
declarou que o Vaticano possuía ações no valor aproximado
de 100 bilhões de liras, o equivalente a 104,4 milhões de
dólares, pelo câmbio da época. A cifra total verdadeira é,
indubitavelmente, muito maior. As cifras de Preti não
levavam em consideração os vultosos investimentos do
Vaticano em títulos da dívida pública e debêntures, que são
completamente isentos de qualquer forma de taxação. Ele só
cuidou das ações que eram sujeitas a impostos.
O ministro das finanças também não se preocupou com o fato
de que, nos termos dos regulamentos do mercado de ações
italiano, os detentores de ações podem ficar sem receber os
dividendos pelo prazo de cinco anos. As evidências indicam
4/21que os investimentos do Vaticano abrangidos nessas
categorias eram pelo menos tão volumosos quanto os que se
encontravam na esfera do ministro. Assim, o valor real dos
investimentos do Vaticano, em 1968, somente em ações
italianas, era, no mínimo, de 202,2 milhões de dólares. Devese
acrescentar o valor dos bens imobiliários do Vaticano,
especialmente em Roma e nos distritos vizinhos, e todos os
investimentos não italianos.
A Itália acabou decidindo pagar para ver o blefe do Vaticano:
a Igreja Católica deveria, pelo menos na Itália, dar a César o
que é de César. Em janeiro de 1968, outro governo
transitório, liderado por Giovanni Leone, declarou que, ao
final do ano, o Vaticano teria de começar a pagar. Com
considerável má vontade e comentários sobre o estímulo
maravilhoso para a economia italiana representado por seus
investimentos, o Vaticano concordou... mas à sua maneira.
Como o prisioneiro no banco dos réus considerado culpado,
pediu tempo para pagar em suaves prestações.
A questão teve diversos resultados lamentáveis para o
Vaticano. Qualquer que fosse o total verdadeiro, todos na
Itália estavam agora conscientes de que a Igreja dos pobres
possuía vultosos investimentos, produzindo milhões de
dólares de lucros anuais. Além disso, a discussão de seis anos
resultara em muitas companhias sendo identificadas como
possuídas ou controladas pelo Vaticano. Os investimentos
amplos podiam indicar um capitalismo sagaz, mas era uma
péssima atitude de relações públicas deixar que o homem
comum, que se queixava de que seu telefone/água/
4/22eletricidade/gás não funcionavam, saber que tinha de
“agradecer” à Igreja por isso. O mais importante, no entanto,
era que o Vaticano teria de pagar enormes impostos se
mantivesse os seus investimentos na Itália. O Papa Paulo VI
tinha um problema. Os homens a quem recorreu, em busca de
uma solução, foram O Gorila e O Tubarão.
Se é correta a conclusão de Sigmund Freud de que toda a
personalidade do homem é formada nos primeiros cinco anos
de vida, então Paul Marcinkus merece um exame meticuloso,
um estudo profundo, por parte dos especialistas. Mesmo se
contestando a opinião de Freud, não se pode deixar de
reconhecer que o meio é, certamente, um fator de grande
influência nos anos de formação.
Marcinkus nasceu numa cidade dominada pela máfia, onde os
assassinatos eram ocorrências cotidianas e a corrupção se
estendia do prefeito às crianças. Era uma cidade assolada por
todos os tipos possíveis e concebíveis de crimes, onde foram
cometidos, entre 1919 e 1960, 976 assassinatos por
gangsters, sendo que apenas dois assassinos foram
condenados. Era uma cidade em que, no outono de 1928, o
presidente da Comissão Contra o Crime Organizado apelou a
um homem para garantir que as eleições em novembro seriam
conduzidas de maneira honesta e democrática. O homem em
questão era Al Capone. A cidade era Chicago. Capone gabouse
um dia:
- Eu mando na polícia.
4/23Poderia fazer outra declaração, mais exata: "Eu sou o dono da
cidade". Capone atendeu ao pedido por eleições justas. Disse
à polícia da segunda maior cidade dos Estados Unidos o que
deveria fazer. A polícia obedeceu. O presidente da Comissão
Contra o Crime Organizado declarou posteriormente:
- Foi o dia de eleição mais ordeiro e mais bem-sucedido em
40 anos. Não houve uma única queixa, nenhuma acusação de
fraude eleitoral ou qualquer ameaça de problema e violência
durante o dia inteiro.
Paul Marcinkus veio ao mundo na comunidade suburbana de
Cícero, no Illinois, em 15 de janeiro de 1922. No ano
seguinte, confrontado com a inusitada presença de um
prefeito honesto em Chicago, Al Capone transferiu seu
quartel-general para Cícero. A população de 60 mil
habitantes, principalmente poloneses, boêmios [4] e lituanos de
primeira e segunda geração, acostumou-se a ter a máfia ao
redor. Capone instalou-se no Hawthorne Inn, na Rua 22,
4833. Juntamente com Capone, fixaram-se na cidade homens
como Jake "Dedo Seboso" Guzik, Tony "Cabeleira" Volpi,
Frank “Carrasco" Nitti, Frankie "O Jornaleiro Milionário"
Pope.
Foi essa a Cícero em que Paul Casimir Marcinkus cresceu.
Seus pais eram imigrantes lituanos. O pai ganhava a vida
limpando as janelas que ainda não tinham sido espatifadas
pelas balas das metralhadoras e a mãe trabalhava numa
padaria. Falavam muito mal a língua inglesa. À maneira
--

nota 4 Originários da Boemia, na República Checa.
4/24clássica de muitos imigrantes pobres que procuravam uma
vida melhor na terra da liberdade, decidiram que os filhos,
através do esforço honesto e do trabalho árduo, deveriam ter
realmente uma vida melhor. Marcinkus, o mais jovem de
cinco filhos, conseguiu isso, muito além dos sonhos mais
delirantes dos pais. Sua história é a do menino pobre que se
tornou o banqueiro de Deus.
Orientado por seu padre paroquial, Marcinkus desenvolveu
uma vocação sacerdotal. Foi ordenado em 1947, o ano em
que Al Capone morreu, de sífilis. O sepultamento católico do
Inimigo Público Número Um de todos os tempos nos Estados
Unidos foi oficiado em Chicago pelo monsenhor William
Gorman, que explicou aos repórteres:
- A Igreja jamais justifica o mal em si, nem o mal na vida de
homem algum. Esta breve cerimônia é para reconhecer o
arrependimento dele e o fato de que morreu fortalecido pelos
sacramentos da Igreja.
Marcinkus foi para Roma e estudou na mesma universidade
católica, a Gregoriana, em que Albino Luciani obtivera seu
diploma. Marcinkus foi também um bom aluno e concluiu o
doutorado em Direito Canônico. Durante os seus dias de
seminarista, usava o seu 1,93m de altura e os seus 100 quilos
de músculos com considerável sucesso nos campos de
esporte. Quando partia para pegar uma bola, numa partida de
futebol, geralmente saía com ela. Sua força física seria um
instrumento importante em sua ascensão. Não resta a menor
dúvida de que algumas lições aprendidas nas ruas de Cícero
4/25foram extremamente proveitosas.
Voltando a Chicago, ele trabalhou como pároco, depois
tomou-se membro do Tribunal Eclesiástico da diocese. Um
dos primeiros a se impressionar com Marcinkus foi o chefe
da Arquidiocese de Chicago na ocasião, cardeal Samuel
Stritch. Depois de uma recomendação do cardeal, Marcinkus
foi transferido para a seção inglesa da Secretaria de Estado do
Vaticano, em 1952. Seguiram-se períodos de serviço como
adido aos núncios apostólicos na Bolívia e Canadá. Ele
voltou a Roma e à Secretaria de Estado em 1959. Sua
fluência em espanhol e italiano garantia-lhe um emprego
constante como intérprete.
Em 1963, o cardeal Francis Spellman, de Nova York,
aconselhou ao papa Paulo, durante uma de suas freqüentes
viagens a Roma, que Marcinkus era um padre de excelente
potencial. Tendo em vista o fato de Spellman chefiar a mais
rica diocese do mundo na ocasião e ser freqüentemente
chamado de "cardeal ricaço", um tributo a seu gênio
financeiro, o papa começou a observar Paul Marcinkus,
discretamente.
Em 1964, durante uma visita ao centro de Roma, a multidão
muito entusiasmada ameaçava pisotear o Vigário de Cristo.
Subitamente, Paul Marcinkus apareceu. Usando os ombros,
cotovelos e mãos, ele abriu fisicamente uma trilha através da
multidão para que o assustado papa pudesse passar. O papa
chamou-o para agradecer pessoalmente no dia seguinte.
Desse momento em diante, tornou-se o guarda-costas não
4/26oficial do papa. Foi nessa época que nasceu seu apelido, O
Gorila.
Em dezembro de 1964, ele acompanhou o papa Paulo à Índia;
no ano seguinte à ONU. A esta altura, Marcinkus já assumira
as funções de assessor de segurança nessas viagens. Guardacostas
pessoal. Assessor de segurança pessoal. Tradutor
pessoal. O menino de Cícero fora longe. Tornou-se amigo
íntimo do secretário particular do papa, padre Pasquale
Macchi, que era um dos principais membros do círculo
íntimo de Paulo VI, que a Cúria Romana chamava de "a
máfia de Milão". Quando Montini [nome de batismo de Paulo
VI], arcebispo de Milão, foi eleito papa, em 1963, levara para
o Vaticano todo um exército de assessores, financistas e
clérigos. Macchi pertencia a esse grupo.
Todos os caminhos podem levar a Roma; alguns via Milão. A
dependência do papa em relação a homens como Macchi ia
além do previsto nos cargos que eles ocupavam. Macchi
censurava o papa quando o considerava mórbido ou
deprimido. Dizia-lhe quando devia se deitar, quem devia
promover, quem merecia ser punido com uma transferência
desagradável. Depois de pôr Sua Santidade na cama à noite,
Macchi era sempre encontrado num excelente restaurante
perto da Piazza Gregono Settimo. Seu companheiro habitual
para jantar era Paul Marcinkus.
Outras viagens ao exterior com o "papa peregrino", a
Portugal em maio de 1967 e à Turquia, em julho do mesmo
ano, consolidaram a amizade entre o papa Paulo e Marcinkus.
4/27Posteriormente, nesse mesmo ano, o Papa Paulo VI criou um
departamento com o nome de Prefeitura de Assuntos
Econômicos da Santa Sé. Um título mais compreensível seria
o de Ministério das Finanças ou Auditoria-Geral. O que o
papa queria era um departamento que pudesse proporcionar
um sumário anual da posição exata da riqueza do Vaticano e
o progresso de todos os bens de cada Administração da Santa
Sé, a fim de obter cifras objetivas num balanço final ou
estimativa para cada ano. Desde a sua criação que esse
departamento teve de lutar contra duas sérias dificuldades.
Em primeiro lugar, por ordens expressas do papa, o Banco do
Vaticano foi especificamente excluído desse levantamento
econômico. Em segundo lugar, havia a paranóia do Vaticano.
Depois que o departamento foi estabelecido por um trio de
cardeais, o homem designado para dirigi-lo foi o cardeal
Egidio Vagnozzi. Em teoria, ele precisaria permanecer no
cargo por um ano antes de poder apresentar ao papa a
situação exata das finanças do Vaticano. Na prática,
Vagnozzi descobriu que o desejo maníaco de sigilo
financeiro, que os diversos departamentos do Vaticano
costumavam demonstrar em relação aos jornalistas curiosos,
também se estendia a ele. A Congregação do Clero não
queria revelar suas cifras a ninguém. O mesmo acontecia com
a APSA. E com todas as outras. Em 1969, o cardeal Vagnozzi
comentou com um colega:
- Seria necessário uma combinação de KGB, CIA e Interpol
para se obter apenas uma indicação de quanto e onde estão
4/28os recursos.
A fim de proporcionar uma ajuda ao idoso colega de Nogara,
o cardeal Alberto di Jorio, então com 84 anos e ainda atuando
como o chefe do Banco do Vaticano, o papa Paulo elevou
Paul Marcinkus a bispo. Um dia depois de prostrar-se aos pés
do papa, Marcinkus assumiu as funções de secretário do
Banco do Vaticano. Para todos os efeitos práticos, ele agora
dirigia o banco. Servir de intérprete para o Presidente
Johnson, quando ele conversara com o papa, fora
relativamente fácil, em comparação com as novas funções,
pois Marcinkus reconheceu francamente:
- Não tenho a menor experiência bancária.
O inexperiente banqueiro chegara. Para um obscuro padre em
Cícero, Paul Marcinkus obteve mais poder do que qualquer
americano antes dele.
Um dos homens que ajudaram na ascensão de Paul
Marcinkus foi Giovanni Benelli. Sua avaliação inicial do
golfista extrovertido e fumante de charutos de Cícero foi a de
que Marcinkus seria um elemento valioso para o Banco do
Vaticano, conforme ele disse ao papa. Em dois anos, Benelli
concluiu que cometera um equívoco desastroso e que
Marcinkus deveria ser afastado o mais depressa possível.
Descobriu que, nesse breve período, Marcinkus constituíra
uma base de poder mais forte do que a sua. Quando houve a
confrontação final, em 1977, foi Benelli quem deixou o
4/29Vaticano.
A promoção extraordinária de Marcinkus foi parte de uma
mudança cuidadosamente planejada na política do Vaticano.
Pagar elevados impostos sobre os lucros das ações e
aparecer como proprietário de incontáveis empresas
italianas eram coisas que contrariavam o Vaticano,
especialmente quando essas empresas produziam artigos
embaraçosos como a pílula anticoncepcional, para a qual
o papa Paulo acabara de invocar a ira de Deus. O papa e
seus assessores tomaram a decisão de reduzir as aplicações
nos mercados de capitais italianos e transferir a maior parte
da riqueza do Vaticano para os mercados no exterior,
particularmente nos Estados Unidos. Eles queriam também
entrar no mundo altamente lucrativo do eurodólar e dos
lucros internacionais.
Marcinkus foi escolhido como um componente essencial
nessa estratégia. O papa aproveitou outra parte de sua "máfia
de Milão" para completar a equipe. Selecionou um homem
que era realmente da máfia, embora não fosse de Milão,
apenas a sua cidade adotiva. O Tubarão nasceu em Patti,
perto de Messina, na Sicília. Seu nome: Michele Sindona.
Como Albino Luciani, Michele Sindona conhecera a pobreza
na infância; como Luciani, ficara profundamente marcado
pelo ambiente em que fora criado. Entretanto, enquanto o
primeiro cresceu com a determinação de aliviar a pobreza dos
outros, o segundo resolveu aliviar os outros de sua riqueza.
4/30Nascido em 8 de maio de 1920 e educado pelos jesuítas,
Sindona demonstrou ainda muito cedo uma propensão
acentuada para a matemática e economia. Tendo se formado
em Direito na Universidade de Messina, ele se esquivou em
1942 ao recrutamento para as forças armadas de Mussolini,
com a ajuda de um parente distante de sua noiva, monsenhor
Amleto Tondini, que trabalhava na Secretaria de Estado do
Vaticano.
Durante os últimos três anos da Segunda Guerra Mundial,
Sindona pôs de lado o diploma de advogado e ganhou a vida
de forma bastante lucrativa, fazendo aquilo em que se
tornaria internacionalmente famoso: comprar e vender.
Comprava alimentos no mercado negro de Palermo e os
contrabandeava, com a ajuda da máfia, para Messina, onde
vendia à população faminta.
Depois de junho de 1943 e dos desembarques aliados,
Sindona passou a procurar seus suprimentos junto às forças
americanas. À medida que os negócios se expandiam,
também aumentavam as suas ligações com a máfia. Ele
deixou a Sicília e foi para Milão em 1946, levando sua jovem
mulher Rina, lições valiosas sobre a lei da oferta e da procura
e diversas cartas de apresentação, ainda mais valiosas, entre
elas a do arcebispo de Messina, cuja amizade sempre
cultivara cuidadosamente.
Em Milão, ele se instalou no subúrbio, em Affori,
trabalhando para uma firma de consultora e contabilidade. A
especialidade de Sindona, demonstrada à medida que o
4/31capital americano começou a fluir para a Itália, era indicar
aos investidores em potencial como se esquivar pelas
complexas leis fiscais italianas. Os associados da máfia
ficaram devidamente impressionados com o seu progresso.
Ele era talentoso, ambicioso e, mais importante ainda, aos
olhos da máfia, implacável, plenamente corruptível e um dos
seus. Conhecia a importância das tradições da máfia, como a
omertá, a lei do silêncio. Era siciliano.
A família Gambino da máfia ficou especialmente
impressionada com o jovem Sindona e sua habilidade em
efetuar investimentos em dólares, sem quaisquer problemas
com os regulamentos fiscais. A família Gambino possui
interesses globais, mas seus dois principais centros de poder
são Nova York e Palermo. O primeiro é controlado pelos
Gambino, o segundo por seus primos sicilianos, os Inzerillo.
Em 2 de novembro de 1957, houve uma reunião da "família"
no Grand Hotel des Palmes, em Palermo. Michele Sindona
também foi convidado a desfrutar dos vinhos e comidas.
A família Gambino apresentou uma proposta que Sindona
aceitou com o maior entusiasmo. Queriam que ele cuidasse
dos reinvestimentos dos lucros fabulosos que a família vinha
obtendo com as vendas de heroína. Precisavam de alguém
que pudesse limpar esse dinheiro. Sindona, com a sua
capacidade comprovada de transferir para dentro e para fora
da Itália quantias vultosas, sem incomodar os departamentos
fiscais do governo italiano, era a escolha ideal. Acrescente-se
a isso o fato de que, por ocasião dessa conferência de cúpula
da máfia, ele já era diretor de um número crescente de
4/32empresas. Sindona dizia freqüentemente a clientes
agradecidos:
- Aceitarei o pagamento em ações de sua empresa.
Ele começara também a aperfeiçoar a técnica de adquirir
empresas em dificuldades, dividi-las, vender partes, fundir
outras, misturar tudo e finalmente vender com grande lucro.
Era uma operação espetacular, particularmente quando eram
outros que pagavam os prejuízos inevitáveis.
Cerca de 17 meses depois da conferência de cúpula da máfia,
Sindona comprou o seu primeiro banco, ajudado por recursos
mafiosos. Sindona já descobrira uma das regras básicas do
roubo: a melhor maneira de assaltar um banco é comprá-lo.
Sindona criou uma empresa holding em Liechtenstein, a
Fasco AG. Pouco depois, a Fasco adquiriu a Banca Privata
Finanziaria, de Milão, geralmente conhecido como BPF.
Fundado em 1930 por um simpatizante do fascismo, o BPF
era uma instituição pequena, particular, exclusiva, servindo
como conduto para a transferência de recursos da Itália, por
conta de uns poucos privilegiados. Não resta a menor dúvida
de que foi essa herança arrogante que atraiu Sindona. Embora
não se interessasse em lutar por Mussolini, Michele Sindona
era um fascista natural. Comprar um banco assim não poderia
deixar de exercer uma atração irresistível para ele.
Nesse mesmo ano, 1959, Sindona fez outro investimento
excepcional. O arcebispo de Milão tentava levantar recursos
4/33para um asilo de velhos. Sindona interveio e levantou toda a
quantia: 2,4 milhões de dólares. Quando o cardeal Giovanni
Battista Montini inaugurou a Casa della Madonnina, quem
estava a seu lado era Michele Sindona. Tornaram-se amigos e
Montini passou a confiar cada vez mais nos conselhos de
Sindona em outros problemas, que não os investimentos
diocesanos apenas.
O que o cardeal Montini talvez não soubesse é que os 2,4
milhões de dólares foram fornecidos a Sindona
basicamente por duas fontes: a máfia e a CIA. Um exagente
da CIA, Victor Marchetti, revelaria posteriormente:
- Nos anos 50 e 60, a CIA ofereceu apoio econômico a
muitas atividades promovidas pela Igreja Católica, de
orfanatos a missões. Milhões de dólares eram dados a bispos
e monsenhores todos os anos. Um deles foi o cardeal
Giovanni Battista Montini. É possível que o cardeal Montini
não soubesse de onde vinha o dinheiro. Ele podia pensar que
era de amigos.
"Amigos" que, como parte de sua determinação de impedir
que a Itália elevasse ao poder um governo comunista eleito
livremente, não apenas despejavam milhões de dólares no
país, mas também estavam dispostos a sorrir afavelmente
para homens como Michele Sindona. Ele podia ser um
criminoso de importância cada vez maior, mas pelo menos
era um criminoso de extrema direita.
O Tubarão começou a nadar mais depressa. Os milaneses,
4/34que tendem a desdenhar os romanos e ainda mais os
sicilianos, a princípio ignoraram aquele homem polido, de
fala mansa, que viera do sul. Depois de algum tempo, os
círculos financeiros da cidade, que é a capital financeira da
Itália, passaram a admitir que Sindona era um extraordinário
consultor para questões fiscais. Quando ele começou a
adquirir uma companhia aqui, outra ali, atribuíram isso à
sorte de principiante. Quando ele se tornou um banqueiro e
confidente do homem que muitos apostavam que seria o
próximo papa, já era tarde demais para contê-lo. Seu
progresso era impossível de conter.
Também através de sua empresa holding, a Fasco, Sindona
adquiriu a Banca di Messina. Esse empreendimento agradou
particularmente às famílias mafiosas Gambino e Inzerillo,
proporcionando-lhe um acesso ilimitado a um banco na
Sicília, a própria província natal de Sindona.
Sindona criou ligações íntimas com Massimo Spada, um dos
homens de confiança do Vaticano, diretor-executivo do
Banco do Vaticano e, como representante da Igreja, membro
da diretoria de 24 empresas, inclusive da Banca Cattolica del
Veneto. Também tornou-se amigo íntimo de Luigi Mennini,
outro alto dirigente do Banco do Vaticano. O padre Macchi,
secretário de Montini, foi outro que se tornou seu amigo
íntimo.
A Banca Privata começou a prosperar. Em março de 1965,
Sindona vendeu 22 por cento de seu banco ao Hambros Bank,
de Londres. Tendo em vista os vínculos antigos de Sindona
4/35com as finanças do Vaticano, o Hambros concluiu que a
orientação imprimida por Sindona aos recursos que fluíam
para o BPF era "brilhante". O mesmo acontecia com as
famílias Gambino e Inzerillo. E também com o Continental
Bank, de Illinois, que comprou outros 22 por cento do banco
de Sindona. Àquela altura, o Continental era o principal
veículo para todos os investimentos do Vaticano nos Estados
Unidos. Os vínculos que Sindona estabelecia ao seu redor e
com diversas autoridades do Vaticano abrangiam agora
diversos escalões. Ele tomou-se amigo íntimo de monsenhor
Sergio Guerri, que assumira a responsabilidade de dirigir a
criação monolítica de Nogara, a Administração Especial.
Sindona adquiriu outro banco em 1964, desta vez na Suíça, o
Banque de Financement, em Lausanne, conhecido como
Finabank. Possuído em grande parte pelo Vaticano, era
também, como o seu banco anterior, pouco mais que um
veículo ilegal para a evasão de dinheiro da Itália. Depois que
Sindona adquiriu o controle acionário do Finabank, o
Vaticano ainda manteve 29 por cento das ações. O Hambros
de Londres e o Continental Illinois de Chicago também
participavam do Finabank.
O fato de três instituições tão augustas como o Vaticano, o
Hambros e o Continental se envolverem tão profundamente
com Sindona devia indicar que ele dirigia seus bancos de
maneira exemplar. Ou será que não?
Carlo Bordoni descobriu uma realidade diferente. Bordoni
conheceu Sindona na segunda quinzena de novembro de
4/361964, no Studio Sindona, Via Turati, 29, em Milão.
Anteriormente, Bordoni trabalhou como gerente da sucursal
de Milão do First National Citibank, de Nova York. Pouco
antes de seu encontro com Sindona, Bordoni for despedido
pelo Citibank por ultrapassar o limite estabelecido em
transações com moeda estrangeira. Era de se esperar que
Sindona encarasse favoravelmente um homem assim.
Ofereceu a Bordoni oportunidade de lidar com as operações
de câmbio do BPF. Como os depósitos totais do banco eram
inferiores a 15 bilhões de liras (aproximadamente 15 milhões
de dólares), Bordoni recusou. Em comparação com o bilhão
de dólares de movimento do Citibank, isso era coisa pequena.
Além do mais, o banco, então, nem mesmo era um agente
bancário autorizado e, assim, não podia operar com moedas
estrangeiras. Era desconhecido internacionalmente e, na
opinião de Bordoni, "não tinha a menor possibilidade de
ingressar no clube fechado dos bancos internacionais".
Bordoni teve uma idéia melhor. Por que não criar uma
corretora internacional? Com trabalho árduo e os excelentes
contatos de Bordoni, uma corretora assim poderia ganhar
grandes comissões. Outra vez nas palavras de Bordoni, isso
"expandiria o potencial do modesto Grupo Sindona e, depois
de algum tempo, haveria a quase certeza de créditos
substanciais em moedas estrangeiras a favor do BPF e do
Finabank".
Como Bordoni recordou mais tarde, em depoimento jurado
perante um magistrado de Milão, Sindona mostrou-se
visivelmente excitado e concedeu sua aprovação ao projeto
4/37sem a menor hesitação. É fácil entender a alegria de Síndona.
O Moneyrex, um nome apropriado, iniciou suas operações
em 5 de fevereiro de 1965. Inicialmente administrado dentro
da ética, proporcionou lucros vultosos. Em 1967, já
manipulava 40 bilhões de dólares por ano, com um lucro
líqüido superior a dois milhões de dólares..., um lucro que,
nas mãos de Sindona, prontamente desapareceu, antes que as
autoridades fiscais tivessem tempo de piscar. Mas Sindona
queria mais do que o lucro honesto. Recomendou a Bordoni
que canalizasse o máximo possível em moedas estrangeiras
para seus dois bancos. Bordoni ressaltou que havia diversas
dificuldades impedindo que essa idéia se tornasse prática. O
Tubarão ficou furioso e gritou que Bordoni deveria lembrarse
de sua "força de convicção" e de seu "poder". Bordoni
gritou em resposta que isso constituía justamente as
dificuldades a que se referira. No caso de Sindona ainda ter
alguma dúvida, Bordoni acrescentou:
- Sua "força" é a máfia e seu "poder", a maçonaria. Não
pretendo arriscar a minha reputação e o sucesso do
Moneyrex só porque um mafioso assim me pede.
Bordoni acabou se deixando convencer e concordou em
supervisionar as operações bancárias do BPF e do Finabank.
O que descobriu muito revela sobre o Vaticano, o Hambros e
o Continental, assim como sobre Sindona. Em seu
depoimento, prestado num hospital-prisão, ao magistrado de
Milão, ele disse:
4/38- Quando comecei a trabalhar no BPF, no verão de 1966,
fiquei profundamente impressionado com o caos que
prevalecia em todos os setores. Era um banco pequeno, que
só conseguia sobreviver graças aos lucros decorrentes de
diversas operações escusas, executadas por conta do Credito
Italiano, da Banca Commerciale Italiana e outros
importantes bancos nacionais. Essas operações em moedas
estrangeiras, uma vasta exportação de capital ilegal,
ocorriam diariamente e as cifras envolvidas eram vultosas. A
técnica era a mais tosca e criminosa que se pode imaginar.
Ele descobriu inúmeras contas em vermelho, sem quaisquer
garantias reais, e num valor que excedia em muito o limite
legal de um quinto do capital e reservas. Também encontrou
desvios maciços. A equipe estava transferindo quantias
vultosas das contas de depositantes, sem que estes tomassem
conhecimento da operação. Essas quantias eram transferidas
depois para a conta do Banco do Vaticano. A seguir, o Banco
do Vaticano transferia as quantias, menos a sua comissão de
15 por cento, para a conta de Sindona no Finabank, em
Genebra. O nome da conta no Finabank era Mani: “ma” de
Manco e “ni” de Nino, os nomes dos filhos de Sindona. A
comissão de 15 por cento paga ao Vaticano era variável,
dependendo do câmbio do momento, no mercado negro.
Se um cliente do Finabank protestava que um cheque feito de
boa fé fora devolvido, ou que sua conta devia ter mais
dinheiro, ouvia inicialmente que deveria procurar outro banco
para operar. Se insistia, o gerente aparecia e, exibindo toda a
sua sinceridade milanesa, pedia desculpas e ofereciaexplicação:
- Foi um lamentável erro contábil, um resultado desses
computadores modernos.

4/39

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