Tuesday, July 29, 2014

WILFRED OWEN EM PORTUGUÊS DO BRASIL não gostando da tradução de Nelson Ascher



Ao ver um pelotão de nossa artilharia pesada em ação

 
tradução de Mariangela Pedro do original de Wilfred Owen
 
Ganha lentamente projeção, longo pelotão no escuro,
Grande Arma espichando ao Céu, afoita por insultar;
Cadencia altiva, contra eles está anos a fio a ensaiar
Graves ofensas a passarem por estonteante apuro!
Chega à Arrogância, inseparável de teu dizimar,
E os elimina, antes que se graduem em um pecado mais maduro.
Aproveita nosso ressentimento, canhão em ação, - para dissipar
Sim, no temporal, nosso vigor e, moldado em labaredas, nosso ouro.
 
Contudo, em consideração àqueles fadados
por tua maligna carga a sucumbir sem reação,
Não haveremos de, trágico pelotão, em meio à destruição,
Recuar em segurança aos nossos ninhos abastados.
De fato queremos, quando tal maldição absoluta for,
Que Deus dela cuide, e livre nossa alma desse horror!


 10 tópicos cruciais sobre nossa tradução e a recém-publicada pela Folha de S.Paulo 

O ORIGINAL E A TRADUÇÃO DA FOLHA NO FINAL

1) observe as rimas. O tradutor aqui é necessariamente poeta; tem de criar novo soneto, novas rimas. Nada fácil. Para isso, é impossível se ater a uma tradução 'ponto a ponto'. É fundamental recriar e ao mesmo tempo preservar o sentido, o tom, a emoção.

2) conseguimos preservar o 'espírito' da coisa, sem ter de desencavar palavras esdrúxulas, e oferecendo riqueza de vocabulário.

3) o pelotão 'no escuro' (1a. linha) é coerente com a figura da Grande Arma, que lança uma grande sombra sobre o pelotão, tanto literal, quanto figurativamente.

4) reiteramos que um bom dicionário (mesmo online) revela que 'arm' não é só braço - pode ser até pelotão. E 'artillery' tanto pode se referir a armas quanto a soldados. Portanto, não foi aí que eu 'inventei coisas'!

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Leia mais sobre este soneto aqui
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5) o tradutor do soneto de Owen que foi publicado na Folha (ver reprodução no final) 'esconde' coisas do original que não se encaixam na interpretação que adotou. Outras coisas, sob tal interpretação, deixam o final do soneto traduzido por ele bem estranho: por que haveria alguém (e logo Owen) de pedir a Deus que amaldiçoe uma arma e - mais estranho ainda - que Deus faça a tal arma 'deixar nossa alma'? Deus, no verso original, é o sujeito das duas ações: 'curse' e 'cut'. De novo, o tradutor lida com o que fica estranho introduzindo distorções, e altera o sujeito de 'cut'. 

6) as artimanhas do item anterior não salvam a pátria. Que sentido faz estes versos?

Mas pelo bem daqueles, aço aziago,
Que, nada hostis, tua praga há de prostrar,
Não te recolham, findo o teu estrago,
A salvo à paz de nosso bem-estar.
Feito e enfim posto o teu feitiço -adeus:


O poeta urge para que não recolham a arma (aço aziago!!) pelo bem daqueles que a arma irá abater (prostrar). Nenhum sentido! Isso deveria convencer o tradutor de que seu trabalho está imprestável; de que deve reler com mais cuidado a obra, estudar, e estudar... Ou admitir que não é capaz de traduzir aquela obra. Mas a mentalidade 'toca pra frente' impera.

7) a tradução segue pior ainda: o poeta não deseja que recolham a arma depois de ela terminar o "estrago"(!)(ainda ref. aos versos acima).

Além desse contrassenso, esse "não te recolham" logo colide com o verso seguinte. Uma vez "feito e enfim posto o teu feitiço - adeus". Ora, o poeta não se decide se é para não recolher ou se é para dar adeus? Dar adeus e não recolher ao mesmo tempo?...

8) também muito curiosa - e fundamental na interpretação que defendo - é a constatação de que minha tradução, em comparação a da Folha, confere sentido claro, sem ambiguidade, a 'spell be cast complete and whole'. Vocês devem ficar definitivamente pasmos com o inglês, mas cast - e o que vou afirmar está nos bons dicionários - pode tanto ser 'eliminar', quanto... o contrário, justamente no caso de 'spell'. ‘Cast spell’ é lançar o feitiço, ou maldição. O que o tradutor da Folha escreve?

Feito e enfim posto o teu feitiço -adeus:
Deixa a nossa alma, e amaldiçoe-te Deus! 


"Feito e enfim posto' , ainda mais antes de 'adeus', me levou a entender que o feitiço tinha fim ali. Lembrando que antes disso, o tradutor não se decide se é para recolher ou não a Arma, fica ainda mais 'enigmático' decidir o que entender por 'feito e enfim posto'. E de onde o tradutor tira a ideia de 'enfim'? Acho que dele mesmo. Ele estaria pensando: Enfim, estou terminando este martírio, esta tradução!

Assumindo agora, à guisa de decifração, que o tradutor acertou e quis dizer 'lançar' o feitiço, temos que o 'aço aziago' - seja recolhido ou não (a imaginação do leitor que decida) - está na 'nossa alma'. E, uma vez que o feitiço do tal aço seja lançado, ele é rogado a deixar nossa alma e ser amaldiçoado por Deus. Faz sentido?

Bem notado! Aqui aparece outra 'saia justa' da tradução. Deus amaldiçoa? Preferi não escrever isso e buscar um sentido para 'curse' que não o primeiro que aparece no dicionário.

9) minha tradução não toma a arma como simples artefato (muito menos como 'aço aziago'). Como já afirmamos, a Grande Arma é o Inimigo, de forma abrangente, no contexto daquela guerra. Na minha tradução, tudo vai se desdobrando, fazendo sentido, livre de estripulias e... besteiras.

10) inicialmente, tomei o caminho da interpretação mais imediata, dos significados no topo dos verbetes dos dicionários. Logo vi que não dava para sustentar aquilo. Foi necessário considerável esforço intelectual até chegar à interpretação que permitiu 'amarrar tudo'. A interpretação geral, o sentido coeso, então guiou a tradução de cada linha com suavidade.

Dado meu 'über' exercício (raro) para lidar dignamente com o texto tão 'suado' de  outrem, obtive um texto bonito; meu texto é também um produto coeso, fiel a uma interpretação diferente das traduções anteriormente publicadas (que encontrei), mas mais robusta e afinada com toda a obra restante de Owen. Dá para ser lido sem caretas, entendido; e dá vontade de reler. Não?

Síntese da crítica

A tradução de Nelson Ascher, publicada em Ilustríssima, deixa 'coisas de fora', não oferece um sentido coeso; sequer dá para entender um pedacinho que seja, já que abusa de palavras estrepitosamente difíceis, talvez para dar ao leitor a impressão de que o tradutor entendeu o soneto, e o leitor é que é 'deficiente'. Faz adaptações que roubam em vez de louvar o original. As muitas falhas da tradução, enfim, expõem uma distância colossal do original, sobretudo quanto à interpretação geral.

Esta é a tradução que consta da Ilustríssima:

Ao Ver uma Peça de Nossa Artilharia Pesada Posta em Ação

por Neson Ascher

Armem-te aos poucos, longo braço preto,
Grande arma arranha-céu pronta a imprecar;
Mira-os sem trégua, em riste, e lança, feito
Troante esconjuro, maldições sem par.
A empáfia que requer tua ação brutal,
Esmaga antes que agrida mais. Derrama,
Canhão, nosso ódio; e esbanja em temporal
Nosso alento, nosso ouro como chama.


Mas pelo bem daqueles, aço aziago,
Que, nada hostis, tua praga há de prostrar,
Não te recolham, findo o teu estrago,
A salvo à paz de nosso bem-estar.
Feito e enfim posto o teu feitiço -adeus:
Deixa a nossa alma, e amaldiçoe-te Deus!


O original:

On Seeing a Piece of our Heavy Artillery Brought into Action

Wilfred Owen

Be slowly lifted up, thou long black arm,
Great Gun towering towards Heaven, about to curse;
Sway steep against them, and for years rehearse
Huge imprecations like a blasting charm!
Reach at that Arrogance which needs thy harm,
And beat it down before its sins grow worse.
Spend our resentment, cannon, -yea, disburse
Our gold in shapes of flame, our breaths in storm.


Yet, for men's sakes whom thy vast malison
Must wither innocent of enmity,
Be not withdrawn, dark arm, the spoilure done,
Safe to the bosom of our prosperity.
But when thy spell be cast complete and whole,
May God curse thee, and cut thee from our soul!


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