Monday, March 4, 2013

CONHECENDO O BANCO DO VATICANO - parte 3


corresponde às páginas 40 a 59 do texto da tradução de IN GOD'S NAME: an investigation into the murder of Pope John Paul I, David Yallop, cap.4
IMPORTANTE:
JÁ LEU AS EXPLICAÇÕES?


ONDE ESTÁ A PRIMEIRA PARTE?
AQUI

tradução de Mariangela Pedro

As descobertas de Bordoni no Finabank, em Genebra, foram
igualmente terríveis. O diretor-executivo, um certo Mario
Olivero, nada conhecia da atividade bancária. O gerente-geral
passava os dias inteiros especulando nos mercados de ações,
câmbio e mercadorias. Se perdia, o prejuízo era transferido
para a conta de um cliente. Se ganhava, o lucro era seu. Os
chefes das diversas divisões seguiam o exemplo do gerentegeral,
assim como o Banco do Vaticano.
O IOR, além de ser o dono, em parte, do banco, também tinha
diversas contas ali. Bordoni constatou que essas contas
"serviam exclusivamente para gigantescas operações
especulativas, que resultavam em perdas colossais". Os
prejuízos, como os de todos os demais bancos citados, eram
financiados por uma companhia de fachada, chamada
Liberfinco (Liberian Financial Company). Na época do
envolvimento de Bordoni, essa companhia apresentava um
prejuízo de 30 milhões de dólares. Quando os inspetores
bancários suíços apareceram, em 1973, o prejuízo dessa
companhia fantasma já se elevava a 45 milhões de dólares.
Os suíços comunicaram a Sindona, Vaticano, Continental,
Illinois e Hambros que tinham 48 horas para fechar a
Liberfinco ou declarariam a falência do Finabank.
Outro assessor de Sindona, Gian Luigi Clerici di Cavenago,
4/40demonstrou, nesse momento, que tinha tantas idéias
brilhantes quanto nomes. Através da abertura de uma conta
com 45 milhões de dólares, recorrendo a um artifício em que
não entrava dinheiro, ele fechou a Liberfinco e abriu outra
empresa, a Aran Investment do Panamá, com um déficit
inicial de 45 milhões de dólares.
Quando pediu a Bordoni que desse uma olhada no Finabank,
Sindona comentou, em profunda ironia:
- Coisas estranhas estão acontecendo por lá.
Quando Bordoni informou-o do quanto aquelas coisas eram
realmente estranhas, Sindona insultou-o e expulsou-o de seu
gabinete. Os negócios continuaram como sempre nos dois
bancos. Quando Bordoni tentou se livrar, Sindona usou uma
de suas técnicas clássicas: chantagem. Bordoni também
violara as leis em suas especulações no exterior. Essas
transgressões seriam comunicadas ao Banco da Itália.
Bordoni ficou.
Carlo Bordoni deveria ter lido o que estava escrito na parede,
antes de se envolver. Durante uma das confrontações no
início da parceria, Sindona gritara-lhe:
- Você nunca será um banqueiro de verdade porque não
apenas é incapaz de mentir, mas também é um homem de
princípios. Nunca saberia como usar a arma válida da
chantagem.
4/41O respeito de Sindona por seu colega teria aumentado
consideravelmente se soubesse que Bordoni começara a
desviar dinheiro para contas secretas na Suíça. Antes do fim,
Bordoni tiraria mais de 45 milhões de dólares de Sindona.
Claro que isso não se comparava com as atividades
criminosas de Sindona, mas Bordoni não tinha a seu favor o
aprendizado siciliano.
Sindona era um mestre em questões de chantagem. Além de
sua capacidade inata, tinha o treinamento da máfia e também
contava com os talentos do mais hábil chantagista que então
praticava essa arte na Itália, Licio Gelli. Quando Bordoni
lançara desdenhosamente na cara de Sindona as suas ligações
com a máfia e a maçonaria, estava jogando com fogo duplo.
Sindona não era membro de uma loja maçônica que pudesse
reivindicar suas origens até os maçons de Salomão [5]. A sua
não era uma loja inspirada pelo patriota italiano Garibaldi [6].
Não havia nenhum Duque de Kent como grão-mestre. A Loja
era a Propaganda 2 ou P2, e seu grão-mestre era Licio Gelli.
Gelli nasceu em Pistóia, na região central da Itália, em 21 de
abril de 1919. Sua educação formal cessou quando foi

--
nota 5 Para conhecer a história da maçonaria, ver, p.ex.,
http://www.infidels.org/library/historical/thomas_paine/origin_free-masonry.html
nota 6 Guiseppe Garibaldi (1807-1882), vereador de Roma. Para lista de
maçons famosos consultar
http://www.mastermason.com/Sunrise130/SunriseFamous%20Msns.htm
4/42expulso da escola no meio da adolescência.
Uma história dessa época de sua vida revela que ele
desenvolveu bem cedo uma peculiar forma de esperteza.
Havia um menino, em uma das escolas particulares
freqüentadas por Gelli, que era mais forte e maior que os
outros. Era admirado por muitos e temido por todos. Um dia
Gelli roubou-lhe o lanche e, na confusão que se seguiu, disselhe:
- Eu sei quem roubou o lanche, mas não quero criar nenhum
problema para o cara. Seu lanche está escondido embaixo do
terceiro banco.
A partir daquele dia, o menino tomara-se seu amigo e
protetor e Gelli aprendera a arte da manipulação.
Aos 17 anos, já adquirira um ódio do comunismo comparável
com a atitude do Rei Herodes em relação aos primogênitos [7].
Como membros da Divisão Camisa Preta Italiana, Gelli e seu
irmão lutaram contra os comunistas na Espanha, ao lado do
exército de Franco. Gelli comentava laconicamente sobre
esse período de sua vida:
- Só eu voltei vivo.
No início da Segunda Guerra Mundial, Gelli lutou na

--
nota 7 Segundo o Novo Testamento (Mateus 2:16), Herodes, o Grande,
teria mandado matar todos os meninos de dois anos ou menos,
cerca de dois anos após o suposto nascimento de Jesus.
4/43Albânia. Posteriormente, obteve o posto de Oberleutnant na
SS, na Itália, trabalhando para os nazistas como um "oficial
de ligação". Seu trabalho incluía espionar os guerrilheiros e
denunciá-los aos seus superiores alemães. Uma parte de sua
riqueza inicial decorreu de sua presença na pequena cidade
italiana de Cattaro, onde foram escondidos os tesouros
nacionais iugoslavos durante a guerra. Uma parcela
significativa desses tesouros nunca foi devolvida à
Iugoslávia, por ter sido roubada por Gelli. A motivação de
Gelli, movida pelo ódio a tudo o que era comunista, diminuiu
na razão direta das derrotas sofridas pelas potências do Eixo,
à medida que a guerra continuava. Começou a colaborar com
os guerrilheiros, comunistas, em sua maioria. Quandol
ocalizava um esconderijo de guerrilheiros, comunicava isso,
cumprindo seu papel, aos alemães e depois avisava os
guerrilheiros para fugirem antes do ataque.
Ele continuou a jogar com os dois lados pelo restante da
guerra e foi um dos últimos fascistas a se render no norte da
Itália, perto do lugar em que um jovem padre chamado
Albino Luciani estivera escondendo guerrilheiros, em
Belluno.
A concordância de Gelli em continuar a espionar para os
comunistas, depois da guerra, foi essencial para salvar sua
vida, quando enfrentou uma Comissão Antifascista, em
Florença. As provas de que ele torturara e assassinara
patriotas foram consideradas insuficientes, após a intervenção
discreta dos comunistas.
4/44Depois de inocentado dessas acusações, Gelli organizou
imediatamente um "caminho subterrâneo" para os nazistas
que desejavam fugir para a América do Sul. Cobrava 40 por
cento do dinheiro que eles possuíam. Outro membro dessa
organização foi um sacerdote católico da Croácia, padre
Krujoslav Dragonovic. Entre os homens que assim escaparam
estava o chefe da Gestapo, Klaus Barbie, geralmente
chamado de "O Carniceiro de Lyon". Barbie não precisou
pagar ao padre Dragonovic ou a GeIli. O custo foi coberto
pelo Serviço de Contra-Espionagem dos Estados Unidos, que
utilizou o alemão em trabalho de espionagem até fevereiro de
1951.
Enquanto continuava a ajudar as autoridades do Vaticano e o
Serviço de Informações dos Estados Unidos, Gelli ainda
espionava para os comunistas, o que fez até 1956. O término
desse seu trabalho para os comunistas coincidiu com o início
de sua colaboração com o serviço secreto italiano. Parte da
retribuição que recebeu para espionar em seu próprio país foi
o arquivamento das acusações que o serviço secreto italiano
levantara a seu respeito. Isso ocorreu em 1956. Dois anos
antes, seguiu o mesmo caminho pelo qual despachara tantos
membros do Terceiro Reich para a América do Sul, aliandose
a elementos da extrema direita na Argentina e tornando-se
amigo íntimo e confidente do General Juan Perón.
Quando Perón foi excomungado pela Igreja Católica, Gelli
sofreu um dos seus poucos fracassos na tentativa de interferir
junto ao Vaticano. A campanha anticlerical de Perón, que
levara à sua excomunhão, pesou mais para a Igreja do que as
4/45garantias oferecidas por Gelli de que o general era um gênio
incompreendido. Quando Perón fugiu do país, depois de um
golpe militar em 1956, Licio Gelli prontamente se empenhou
em fazer amizade com a junta militar que subiu ao poder.
Lenta e cuidadosamente, Gelli estava construindo uma base
de poder que começou a se estender pela maior parte da
América do Sul. Gelli sempre cortejava os ricos e poderosos
ou os que tinham o potencial para se tornarem ricos e
poderosos. Em termos de filosofia ou ideais políticos, Gelli
era um prostituto. Trabalharia para quem pudesse pagá-lo.
Enquanto ajudava a junta militar de extrema direita da
Argentina, ele simultaneamente espionava em nome da União
Soviética [de esquerda], através de suas ligações com a
Romênia. Tinha tanto uma recomendação dos comunistas da
Itália – que salvaram sua vida depois da guerra –, quanto os
telefones dos contatos da CIA, para a qual também vendia
informações. Para completar, continuou a trabalhar para o
SID, serviço secreto italiano.
Enquanto Sindona escalava na selva financeira da Milão do
pós-guerra, Gelli ascendia pelas complexas estruturas de
poder da política sul-americana. Um general aqui, um
almirante ali, políticos, altos servidores públicos. Enquanto
Sindona cultivava contatos, na convicção de que o poder
estava no dinheiro, Gelli, através de seus novos amigos,
aspirava à fonte do poder real: o conhecimento. Informações,
as fichas pessoais deste ou daquele banqueiro, o dossiê
secreto sobre um político... sua rede estendeu-se da Argentina
para o Paraguai, Brasil, Bolívia, Colômbia, Venezuela e
Nicarágua. Na Argentina, ele adquiriu dupla nacionalidade e
4/46tomou-se o conselheiro econômico do país para a Itália, em
1972. Uma de suas principais tarefas foi promover a compra
de armamentos para a Argentina, incluindo tanques, aviões,
navios, instalações de radar e até mesmo os ultramodernos
mísseis Exocet. Antes disso, ele ocupara cargos de menor
importância. Na Itália, fora gerente-geral da Permaflex, uma
fábrica de colchões, e também gerente da Remington Rand,
na Toscana. Entre os membros da diretoria da Remington
Rand, na ocasião, estava Michele Sindona.
Sempre ansioso por ampliar seu círculo de poder e influência,
Gelli achou que o movimento maçônico reabilitado era o
veículo perfeito. Ironicamente, foi o seu amado líder
Mussolini que proscrevera os maçons. Mussolini consideraraos
"um Estado dentro de um Estado". Era igualmente irônico
que o governo democrático italiano, que Gelli tanto
desprezava, restaurasse a liberdade dos maçons, embora
mantivesse um aspecto da lei fascista, que tornava uma
violação da lei a criação de uma organização secreta.
Conseqüentemente, os maçons reconstituídos foram
obrigados a apresentar ao governo as relações de seus
membros.
Gelli ingressou numa loja maçônica convencional em
novembro de 1963. Elevou-se rapidamente a um membro de
terceiro grau, o que lhe permitia chefiar uma loja. O grãomestre
na ocasião, Giordano Gamberini, sugeriu a Gelli que
formasse um círculo de pessoas importantes, algumas das
quais poderiam se tornar maçons, mas todas seriam úteis ao
crescimento da livre maçonaria legítima. Gelli tratou de
4/47aproveitar prontamente a oportunidade. O que ele de fato
concebeu foi uma organização secreta ilegal. Esse grupo
recebeu o nome de Raggruppamento Gelli, P2. O “P” vinha
de Propaganda, o nome de uma loja histórica do século XIX.
Inicialmente, Gelli atraiu diversos oficiais superiores
reformados das forças armadas. Por intermédio deles, teve
acesso aos oficiais no serviço ativo, em postos de comando.
A teia que ele teceu acabaria por cobrir toda a estrutura de
poder na Itália. Os ideais e aspirações da genuína maçonaria
foram rapidamente abandonados, embora não oficialmente. O
objetivo de Gelli era um pouco diferente: o controle da Itália
pela extrema direita. Esse controle funcionaria como um
estado secreto dentro do Estado, a menos que o imprevisível
acontecesse e os comunistas ganhassem uma eleição. Se isso
acontecesse, então haveria um golpe de estado. A direita
assumiria o poder. Gelli tinha certeza de que as potências
ocidentais aceitariam a situação.
E, na verdade, desde o início da formação da P2, Gelli contou
com o ativo apoio e o estímulo da CIA operando na Itália. Se
isso parece o roteiro de um lunático, fadado ao mesmo
destino de todos os planos desvairados, cabe ressaltar que,
entre os membros da P2 somente na Itália (havia e ainda há
ramificações poderosas em outros países), estavam o
comandante das forças armadas, Giovanni Torrisi, os chefes
do serviço secreto, generais Giuseppe Santovito e Giulio
Grassini, o chefe da policia financeira da Itália, Orazio
Giannini, ministros e políticos de todas as tendências (à
exceção dos comunistas, é claro), 30 generais, oito
4/48almirantes, editores de jornal, executivos de televisão,
industriais e banqueiros, inclusive Roberto Calvi e Michele
Sindona. Ao contrário da maçonaria convencional, a lista
de membros da P2 era tão secreta que somente Gelli
conhecia todos os nomes.
Gelli usou uma variedade de técnicas para aumentar o poder
da P2. Uma delas foi o método inócuo de contato e
apresentação pessoal de uma pessoa já associada. Outras
foram menos elegantes. A chantagem era a mais proeminente.
Quando uma pessoa ingressava na P2, era obrigada a
demonstrar sua lealdade pondo à disposição de Gelli
documentos comprometedores, informações delicadas, em
suma, segredos que comprometessem não apenas o novo
membro, mas também outros alvos possíveis. Diante das
comprovações de seus próprios deslizes, o alvo se juntava à
P2. Essa técnica foi usada, por exemplo, com o presidente da
ENI, a empresa petrolífera estatal, Giorgio Mazzanti. Diante
das provas de sua corrupção, envolvendo uma vultosa
operação de petróleo com os sauditas, Mazzanti cedeu e
ingressou na P2, oferecendo a Gelli ainda outras informações
sobre corrupção.
Outra técnica que Gelli usava para seduzir um novo membro
era descobrir, por uma fonte já corrompida, a lista tríplice de
candidatos a um cargo importante. Telefonava para todos os
três e anunciava a cada um que tomaria as providências
necessárias para a sua nomeação. E, no dia seguinte, a P2
recebia um novo membro agradecido.
4/49Na superfície, a P2 era – e ainda é – uma apólice de seguro
fanática contra governos comunistas em potencial. Além da
Itália, ainda há sucursais funcionando na Argentina,
Venezuela, Paraguai, Bolívia, França, Espanha, Portugal e
Nicarágua. Há também membros ativos na Suíça e Estados
Unidos. A P2 se associa com a máfia na Itália, Cuba e
Estados Unidos. Relaciona-se com diversos regimes militares
da América Latina e com uma variedade de grupos
neofascistas. Também está intimamente relacionada com a
CIA. Estende-se ao próprio coração do Vaticano. O interesse
central comum a todos esses grupos é, aparentemente, o ódio
ao, e medo do comunismo.
Na realidade, a P2 não é uma conspiração mundial com o
objetivo de prevenir a propagação do marxismo ou suas
variações. É um grupo internacional com um número variado
de intenções. Combina uma posição ideológica com o
interesse em si própria, não tendo como sua principal meta a
destruição de uma ideologia em particular, mas uma
insaciável cobiça por poder e riqueza, com o avanço do
egoísmo, escondendo-se atrás da fachada de "defensores do
mundo livre". No mundo da P2, entretanto, nada é livre. Tudo
tem um preço.
Os contatos e associados de Licio Gelli eram diversos.
Incluíam Stephano Delle Chiaie, Pierluigi Pagliani e Joachim
Fiebelkorn, todos membros do exército particular criado na
Bolívia por Klaus Barbie, o ex-chefe da Gestapo. O grupo
adotou o nome de "Noivos da Morte". Os assassinatos
políticos eram cometidos por encomenda, inclusive o do líder
4/50socialista boliviano Marcelo Quiroga Cruz, todos
contribuindo para levar ao poder na Bolívia o General Garcia
Meza, em 1980. Klaus Barbie usou o seu treinamento nazista
para se tornar assessor de segurança do Coronel Gomez,
alguém que tinha muito sangue boliviano nas mãos.
O grupo controlado por Barbie expandiu suas atividades sob
a proteção da junta boliviana, após o golpe de 1980. O
assassinato de adversários políticos, jornalistas, líderes
trabalhistas e estudantes aumentou. Além disso, exerciam a
tarefa de “controlar” a indústria de cocaína, destruindo os
pequenos traficantes, para assegurar a prosperidade dos
grandes traficantes sob a proteção da junta.
Desde 1965, as atividades de Barbie incluíam o negócio de
armas, não só na Bolívia como em outros regimes de extrema
direita na América do Sul e Israel. Foi através da negociação
de armas que Klaus Barbie, um impune membro da SS, e
Licio Gelli tornaram-se parceiros nos negócios. Barbie, entre
maio de 1940 e abril de 1942, responsável pela eliminação de
todos os maçons conhecidos em Amsterdam; Lício Gelli, o
grão-mestre da loja maçônica P2. Os dois tinham muito em
comum, inclusive a consideração que ambos nutriam por
indivíduos como Stephano Delle Chiaie.
O italiano Delle Chiaie esteve envolvido em pelo menos duas
tentativas de golpe de estado em seu próprio país. Quando um
governo civil voltou ao poder na Bolívia, em outubro de
1982, Delle Chiaie fugiu para a Argentina. Recebeu ali abrigo
e ajuda do membro da P2, José Lopez Rega, o criador dos
4/51notórios esquadrões da morte Triplo A.
Rega também criara uma gigantesca rede de contrabando de
heroína entre a Argentina e os Estados Unidos. Obviamente,
Licio Gelli foi tão hábil em vender sua visão particular do
mundo, quanto em vender colchões. Ter uma variedade de
amigos e associados –que inclui uma criatura como José
Lopez Rega, Klaus Barbie e o esotérico cardeal Paolo Bertoli
– é urna façanha extraordinária. Como Gelli, o cardeal é um
toscano. Sua carreira inclui 40 anos no serviço diplomático
do Vaticano. Bertoli não estava sem apoio no conclave que
elegeu Albino Luciani.
O cardeal Bertoli foi apenas uma das muitas portas para o
ingresso de Gelli no Vaticano. Gelli teve diversas audiências
com o papa Paulo. Bebia e comia com o bispo Paul
Marcinkus. Muitos cardeais, arcebispos, bispos, monsenhores
e padres, que hoje negariam conhecer Licio Gelli, tinham a
maior satisfação em serem vistos em sua companhia nos anos
60 e 70.
Um dos associados mais íntimos da P2 de Gelli era o
advogado italiano Umberto Ortolani. Assim como "O
Titereiro", Ortolani aprendeu o valor das informações
secretas bem cedo na vida. Durante a Segunda Guerra
Mundial, tornou-se chefe das duas maiores unidades
operacionais do SISMI, o Serviço Militar de Inteligência
Italiano. Sua especialidade era a contra-espionagem. Como
católico, descobriu, ainda bem jovem, que um dos centros de
poder encontrava-se do outro lado do Tibre, na Cidade do
4/52Vaticano. A partir daí, sua penetração e influência nos
corredores do Vaticano foram totais.
Dignatários do Vaticano eram convidados freqüentes na casa
de Ortolani, em Roma, na Via Archimede. Uma indicação de
quão antigos são os contatos de Ortolani no Vaticano é o fato
de que foi apresentado ao cardeal Lercaro, em 1953. Lercaro
tinha imensa influência dentro da Igreja e tornou-se um dos
quatro "moderados" do Concílio Vaticano Segundo. Ficou
muito conhecido como um dos liberais cuja influência ajudou
a assegurar que a maioria das reformas estabelecidas no
concílio se tornasse realidade. Ortolani era geralmente
conhecido como o "primo" do cardeal, um engano que ele
mesmo encorajava.
No conclave que elegeu Paulo VI, a preocupação principal
era se o novo papa continuaria o trabalho de João XXIII ou se
reverteria ao estilo reacionário de Pio XII. Os "liberais"
precisavam de um lugar seguro para debater a estratégia a ser
seguida. Lercaro, um dos liberais que liderava, pediu a
Ortolani que atuasse como anfitrião para o encontro que
aconteceu em sua villa, em Grottaferata, próximo de Roma,
poucos dias antes do conclave. Um grande número de
cardeais compareceu, inclusive Suenens de Bruxelas,
Doepfner de Munique, Koenig de Viena, Alfrink da Holanda
e o "Tio" Giacomo Lercaro.
Este encontro altamente secreto foi o fator mais importante
para o ocorrido mais tarde, no conclave. Ficou decidido que
se o apoio considerável recebido por Lercaro não fosse
4/53suficiente, o apoio se voltaria para Giovanni Battista Montini.
Assim, na terceira votação, Montini viu-se de repente com 20
votos adicionais, próximo ao papado que, por fim, alcançou.
Com poucos meses, o novo papa conferiu a Umberto Ortolani
o título de "Cavaleiro de Sua Santidade". Posteriormente,
Ortolani recebeu muitas outras homenagens e prêmios do
Vaticano. Conseguiu até a afiliação de Licio Gelli, um não
católico, à ordem dos Cavaleiros de Malta e a do Santo
Sepulcro. Amigo íntimo de Casaroli, comumente conhecido
como o Kissinger do Vaticano devido a seu envolvimento
com política exterior, o advogado Ortolani premiou o
mestre da P2 com uma entrada incomparável a todas as
partes do Vaticano. Como seu mestre Licio Gelli, Ortolani é
cidadão de muitos países, pelo menos no papel. Nascido em
Viterbo, na Itália, adquiriu posteriormente a nacionalidade
brasileira. A utilidade desse arranjo é que não existe tratado
de extradição entre a Itália e o Brasil.
A lista de membros da P2 crescia cada vez mais. Em 1981,
uma grande quantidade dos documentos secretos de Gelli foi
apreendida em Toscana, revelando que a sociedade secreta
possuía quase mil membros só na Itália. Mas esse número era
apenas a ponta do iceberg. O serviço secreto italiano está
convencido de que há, pelo menos, mais de dois mil. Gelli
posiciona esse número em 2.400. Qualquer que seja esse
número, vários serviços secretos europeus concordam que a
identidade da maioria dos membros da P2 ainda não foi
revelada e que, entre eles, há quase 300 dos homens mais
poderosos do que o século XX convencionou chamar de
4/54mundo livre.
Quando houve, em 1981, a mencionada denúncia italiana dos
quase mil membros dessa sociedade secreta ilegal, um
membro da P2, o senador Fabrizio Cicchitto enunciou uma
verdade fundamental:
- Para se alcançar o topo na Itália, durante a década de 70,
o melhor caminho era Gelli e a P2.
O relacionamento íntimo entre a P2 e o Vaticano era, como
acontecia com todos os relacionamentos de GeIli, proveitoso
para ambas as partes. Gelli jogou com o quase paranóico
medo do comunismo, que existia no Vaticano. Gostava
particularmente de citar pronunciamentos anteriores à
Segunda Guerra Mundial que justificaram o fascismo,
inclusive o do cardeal Hinsley, de Westminster, que dissera
aos católicos em 1935:
- Se o fascismo afundar, a causa de Deus afundará junto.
O mais fantástico nos contatos íntimos e contínuos entre o
Vaticano e a P2 é que vários cardeais, bispos e padres
podiam sorrir benevolentes a essa criança bastarda, a
maçonaria ortodoxa. A Igreja Católica considerara os
maçons, por muitas centenas de anos, como os filhos do
demônio. A organização foi repetidamente condenada e
inspirou pelo menos seis bulas papais, completamente contra
a maçonaria; sendo a mais antiga, In eminenti, do papa
4/55Clemente XII, em 1738.
A Igreja considerava essa sociedade secreta como uma
religião alternativa controlada pelos ateus, cuja principal
finalidade era a destruição da Igreja Católica.
Conseqüentemente, qualquer católico denunciado como
pertencente a ela era automaticamente excomungado pela
Igreja. Não há dúvida de que muitos movimentos
revolucionários na história utilizaram-se da maçonaria em
suas divergências com a Igreja. Um exemplo clássico é o do
patriota italiano Garibaldi, que arregimentou os maçons do
país, levantando a população contra a dominação papal, o que
resultou em uma Itália unificada.
Hoje, a maçonaria tem diferentes significados em diferentes
países. Todos os maçons afirmam ser uma força para o bem.
Os não maçons encaram esta sociedade secreta com
diferentes graus de hostilidade e suspeita. Mas até bem
recentemente, a Igreja Católica manteve uma posição
inteiramente firme: a maçonaria é um mal muito grande e
todos os que pertencem a ela são, aos olhos da Igreja,
anátemas. Se esse era o pensamento da Igreja sobre a
maçonaria convencional, isso torna os laços entre a P2 e o
Vaticano ainda mais extraordinários: um dos menores e mais
poderosos estados sobre a terra abrigando um “estado dentro
do estado”. A esmagadora maioria de membros da P2 era,
e continua sendo, de católicos praticantes.
Embora a loja P2 italiana jamais se reunisse em sua totalidade
(precisariam alugar La Scala [8]), havia indubitavelmente

--
nota 8 Casa de Ópera, a mais aclamada do mundo, em Milão. O autor, ao mencionar esse teatro, enfatiza o grande número de membros da P2

4/56encontros de grupos selecionados. As discussões não se
confinavam a lamentar os males do comunismo. Providências
eram planejadas para combater e impedir o que Gelli e seus
amigos consideravam o supremo desastre: um governo
comunista eleito democraticamente.
Houve, nas duas últimas décadas, diversos atentados à bomba
na Itália que nunca foram esclarecidos. Se as autoridades
italianas algum dia pegarem Gelli, estarão em condições, se
ele resolver falar e contar a verdade, de esclarecer alguns
desses misteriosos atentados. Podemos citar alguns: (1)
Milão, 1969, atentado à bomba na Piazza Fontana, 16 mortos;
(2) Bolonha, 1974, atentado à bomba no expresso Roma-
Munique, o "Italicus", perto de Bolonha, 12 mortos; (3)
Bolonha, 1980, atentado à bomba na estação ferroviária, 85
mortos, 182 feridos. Segundo um desencantado partidário de
Gelli, um neofascista chamado Elio Ciolini, esse último
atentado foi planejado numa reunião da P2 em Monte Carlo,
em 11 de abril de 1980. Licio Gelli foi o grão-mestre nessa
reunião.
De acordo também com o depoimento sob juramento de
Ciolini, três dos supostamente responsáveis pelo atentado à
bomba na estação ferroviária são: Stephano Delle Chiaie,
Pierluigi Pagliani e Joachim Fiebelkorn. O motivo para essa
série de terríveis atentados foi uma manobra contra os
comunistas italianos, procurando-se dar a impressão de que
4/57estes eram os responsáveis.
Em julho de 1976, o juiz italiano Vittorio Occorsio ainda
conduzia uma investigação sobre as ligações entre o
movimento neofascista chamado Vanguarda Nacional e a P2.
No dia 10 de julho, o juiz foi assassinado por uma prolongada
rajada de metralhadora. O grupo neonazista Nova Ordem
reivindicou posteriormente a autoria do assassinato. Nova
Ordem, Vanguarda Nacional... os nomes tornam-se
acadêmicos. O que importava era que Vittorio Occorsio, um
homem de integridade e coragem, estava morto e a
investigação sobre a P2 foi suspensa.
Ao final dos anos 60, Michele Sindona era membro da P2 e
também um amigo íntimo de Licio Gelli, com quem tinha
muito em comum, inclusive a atenção constante que ambos
mereciam da CIA e da Interpol. As funções dessas duas
organizações nem sempre são paralelas. A investigação da
Interpol sobre Sindona é um exemplo perfeito disso.
Em novembro de 1967, a Interpol de Washington transmitiu o
seguinte telex à chefatura de polícia de Roma: “Recebemos
recentemente informações não confirmadas de que as
seguintes pessoas se acham envolvidas na transferência ilegal
de drogas sedativas, estimulantes e alucinogênicas entre a
Itália, Estados Unidos e, possivelmente, outros países
europeus”.
O primeiro da lista de quatro nomes era Michele Sindona. A
polícia italiana respondeu que não tinha nenhuma evidência
4/58que ligasse Sindona ao tráfico de tóxicos. Uma cópia do
pedido da Interpol e da resposta chegaram às mãos de
Sindona naquela mesma semana. Um pedido similar da
Interpol de Washington à CIA, operando da Embaixada
Americana em Roma, e da delegação em Milão, se
respondido honestamente, produziria a confirmação de que a
informação era absolutamente correta.
O dossiê da CIA sobre Michele Sindona já era extenso por
essa data. Tinha informações detalhadas sobre a ligação de
Sindona com a máfia de Nova York: a "família" Gambino,
com seus 253 membros e 1.147 associados. Narrava como as
cinco famílias mafiosas de Nova York – Colombo, Bonanno,
Gambino, Lucchese e Genovese – estavam interligadas por
uma série de crimes que incluía o refinamento, contrabando e
distribuição de drogas. As drogas em questão eram heroína,
cocaína e maconha. Outras atividades criminosas incluídas no
dossiê da CIA são a prostituição, o jogo, a pornografia, a
agiotagem, o protecionismo, a chantagem, a fraude e roubos
de bancos em larga escala.

4/59

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