Monday, March 4, 2013

CONHECENDO O BANCO DO VATICANO - parte 6 e última


corresponde às páginas 100 a 120 (as últimas) do texto da tradução de IN GOD'S NAME: an investigation into the murder of Pope John Paul I, David Yallop, cap. 4.
IMPORTANTE:
JÁ LEU AS EXPLICAÇÕES?


ONDE ESTÁ A PRIMEIRA PARTE?
AQUI

 

tradução de Mariangela Pedro

Uma estranha situação caracterizou o intervalo. entre esses
dois anos: as ações nunca deixaram o Banco do Vaticano. Em
29 de outubro de 1971 – data em que os cinco por cento
finais das ações foram, em teoria, vendidos a Calvi – os
títulos, que ainda eram inteiramente controlados pelo Banco
do Vaticano, foram transferidos para a Zitropo, uma empresa
pertencente, na ocasião, a Sindona. Posteriormente, a Zitropo
passou ao controle de Calvi e, depois, do próprio Banco do
Vaticano. E as ações da Banca Cattolica continuaram nos
cofres do Vaticano. Não é de admirar que, em março de 1982,
o então arcebispo Paul Marcinkus se referisse a “nosso
investimento na Banca Cattolica, que está indo muito bem".
Quando a Bolsa de Valores de Milão entrou em baixa, em
1974, o Banco Ambrosiano estava entre os que sofreram
prejuízos. Calvi era particularmente vulnerável. O principal
ingrediente na atividade bancária internacional é a confiança.
Sabia-se que ele era um grande associado de Sindona.
Quando o Il crack ocorreu, o mundo bancário passou a ser
mais cauteloso em relação a “Il Cavaliere". Os limites de
crédito para o Ambrosiano foram reduzidos; a obtenção de
empréstimos no mercado internacional ficou mais difícil. O
pior de tudo é que a demanda dos pequenos investidores por
ações do banco começou a diminuir, com a conseqüente
queda nas cotações. Como um passe de mágica, no que estava
tornando-se rapidamente o momento final para o
Ambrosiano, uma empresa chamada Suprafin S.A., com
escritório registrado em Milão, entrou no mercado. Essa casa
financeira demonstrava a maior confiança no Signor Calvi.
Comprava ações de seu banco diariamente. Mas antes que
4/100houvesse tempo para que o nome da Suprafin fosse incluído
entre os acionistas, as ações eram revendidas no Panamá e
Liechtenstein. A confiança em Calvi começou a ressurgir e a
Suprafin continuou a comprar. Em 1975, 1976, 1977 e 1978,
a Suprafin demonstrou uma fé absoluta no futuro do banco de
Calvi... uma fé no valor de 50 milhões de dólares.
A Suprafin, é claro, sabia de alguma coisa que não era do
conhecimento de mais ninguém. Entre 1974 e 1978, as ações
do Ambrosiano continuaram a cair, apesar de a Suprafin
adquirir mais de 15 por cento do banco. A Suprafin era
oficialmente possuída por duas companhias do Liechtenstein
– Teclefin e Impanfin. Em teoria, essas duas companhias
pertenciam ao Banco do Vaticano. Só teoria. Na prática, a
Suprafin pertencia a Calvi. Conseqüentemente, com o pleno
conhecimento do Banco do Vaticano, ele estava sustentando
a cotação no mercado das ações do Ambrosiano com
aquisições maciças, uma operação totalmente ilegal. O
dinheiro para financiar a fraude provinha de empréstimos
internacionais à subsidiária de Luxemburgo e da sede do
banco, em Milão.
O Banco do Vaticano recebia vultosos pagamentos anuais por
proporcionar os instrumentos para que O Cavaleiro pudesse
executar uma gigantesca fraude internacional. Esse dinheiro
era pago de diversas maneiras. Todos os depósitos do
Vaticano nos bancos Ambrosiano recebiam juros pelo menos
um por cento superiores aos dos outros depositantes. Outro
método consistia em o Ambrosiano "comprar" ações do
Banco do Vaticano. No papel, o Banco do Vaticano vendia
4/101um lote de ações a uma companhia panamenha a um preço
cerca de 50 por cento mais alto que o valor real do mercado.
As ações nunca deixavam o Vaticano e o banco que
Marcinkus controlava se tomava milhões de dólares mais
rico. A companhia panamenha, geralmente com um capital de
apenas alguns milhares de dólares, tomava emprestados os
milhões do Banco Ambrosiano Overseas, sediado em Nassau,
do qual Marcinkus era diretor. A subsidiária de Nassau
tomava o dinheiro emprestado da companhia do
Luxemburgo, que por sua vez levantava empréstimos dos
bancos internacionais.
Calvi estava certamente esperando, contra todas as
expectativas, que as ações do seu banco acabassem subindo,
quando então poderia descarregá-las. Por volta de 1978, ele
andava numa corda bamba. Como se toda essa operação já
não fosse suficiente para manter o banqueiro acordado
durante a noite, ele também enfrentava problemas nas
manobras para limpar o dinheiro da máfia. Além disso, havia
a constante demanda de novos recursos por parte da P2. O
que envolvia ainda mais desfalques. Calvi também sofria as
conseqüências de uma campanha de chantagem desencadeada
por Michele Sindona.
Enquanto O Cavaleiro se mantinha ocupado desviando
milhões de dólares para manter fraudulentamente a cotação
das ações do Ambrosiano, O Tubarão nem de longe
permanecia inativo. Sindona lembra forçosamente o
personagem de uma peça de Pirandello, em que todas as
expectativas podem não passar de ilusões. Sindona parece
4/102uma criação para o teatro. Um autor de ficção, no entanto
abominaria uma criação assim. Somente a vida real pode criar
Michele Sindona.
Licio Gelli continuava a retribuir as contribuições de Sindona
a P2. Quando a promotoria pública de Milão solicitou a
extradição do Tubarão, em janeiro de 1975, as autoridades
judiciárias americanas solicitaram mais informações,
inclusive uma fotografia de Sindona. Pediram também que os
documentos de extradição fossem traduzidos para o inglês. A
promotoria de Milão preparou um novo processo de
extradição, com 200 páginas, enviando para o Ministério da
Justiça, em Roma, a fim de ser traduzido e remetido para
Washington. O Ministério da Justiça devolveu tudo, com a
observação de que não poderia se encarregar da tradução,
apesar de possuir um dos maiores departamentos de tradução
da Itália. A embaixada americana em Roma declarou que não
tinha o menor conhecimento do pedido de extradição. Licio
Gelli tinha amigos em muitos lugares.
Enquanto isso, Sindona residia num luxuoso apartamento no
Hotel Pierre, em Nova York. Contratou a firma de advocacia
de Richard Nixon e John Mitchell para ajudá-lo a refutar a
extradição. Descartou os seus problemas italianos, como se
fossem insignificantes, ao ser interrogado por repórteres:
- O presidente do Banco da Itália e outros membros do
sistema financeiro italiano estão conspirando contra mim.
Nunca fechei um único contrato de câmbio em toda a minha
vida. Meus inimigos na Itália me incriminaram falsamente,
4/103mas tenho certeza de que um dia se fará justiça.
Em setembro de 1975, quando apareceram na imprensa
italiana fotografias do Tubarão, vestido a rigor, apertando a
mão do prefeito de Nova York, Abraham Beame, houve uma
ira intensa pelo menos em alguns setores da Itália. O
Corriere della Sera comentou:
Sindona continua a divulgar declarações e
conceder entrevistas, em seu exílio-refúgio
americano, a fim de freqüentar o jet set. As leis e
os mecanismos de extradição não são iguais para
todos. Alguém que rouba maçãs pode definhar na
prisão por muitos meses, talvez anos. Um
emigrante que trabalha no exterior e não
responde à convocação é obrigado a voltar e
enfrentar o rigor de um tribunal militar. Para
eles, as voltas e reviravoltas da burocracia não
existem.
Na Itália, pequenos investidores contrataram advogados,
numa tentativa de salvar pelo menos algum dinheiro do
estouro de Sindona, enquanto o Vaticano anunciava um grave
déficit orçamentário. Nos Estados Unidos, O Tubarão
contratou um agente de relações públicas e iniciou uma série
de conferências no circuito universitário.
Quando executivos seniores do Franklin National Bank foram
presos e acusados de conspiração para o desfalque de milhões
de dólares e de especulação com moedas estrangeiras,
4/104Sindona estava dizendo aos estudantes da Wharton Graduate
School, em Filadélfia:
- O objetivo desta breve conversa, talvez um tanto ambicioso,
é contribuir para restaurar a fé dos Estados Unidos em seus
setores econômico, financeiro e monetário e lembrar que o
mundo livre precisa da América.
Enquanto era condenado in absentia [16] por um tribunal de
Milão a três anos e meio de prisão, considerado culpado em
23 acusações de apropriação indébita, no valor de 10 milhões
de liras, Sindona dava lições de moral aos alunos da
Universidade de Columbia:
- Quando se efetuam pagamentos com a intenção de se
esquivar ao cumprimento da lei, a fim de se obter benefícios
injustos, é por certo necessária uma reação pública. Tanto o
corrupto como o corruptor devem ser punidos.
Enquanto planejava chantagear seu companheiro da P2 e
amigo íntimo, Roberto Calvi, discorria sobre uma imagem
visionária a estudantes que ansiavam por imitá-lo:
- Em futuro não muito distante, quando estivermos em
contato com outros planetas e novos mundos, em nossas
incontáveis galáxias, espero que os estudantes desta
universidade possam sugerir às companhias que
representarem que se expandam pelo cosmo, criando as
"cosmo-corporações", que levarão o espírito criativo da

--
nota 16 Sem ter comparecido ao tribunal.
4/105iniciativa privada por todo o universo.
Sindona não estava a fim de brincar. Promoveu diversas
reuniões com membros da máfia americana, Cosa Nostra e
máfia siciliana. Tentou persuadi-los e a Licio Gelli de que
deveriam organizar o levante para separar a Sicília da Itália.
Anteriormente, em 1972, ele fora um conspirador no
chamado "Golpe Branco", um plano para assumir o controle
da Itália. A máfia ficou cética e Gelli se mostrou desdenhoso.
Classificou a idéia de "lunática" e disse a Sindona que a
secessão da Sicília só poderia ocorrer com o apoio dos
membros militares e políticos da P2, que procuravam ganhar
tempo para não tomar uma iniciativa. E aconselhou a
Sindona:
- Ponha o plano na pasta de "pendentes".
Em setembro de 1976, as autoridades italianas conseguiram,
finalmente, que Sindona fosse preso em Nova York. Era a
primeira vitória significativa que obtinham na longa batalha
por sua extradição. Sindona manifestou sua surpresa pelo fato
de "os Estados Unidos decidirem agora, cerca de dois anos
depois que essas falsas acusações foram apresentadas contra
mim na Itália, iniciar o processo de extradição". E
acrescentou: "Quero enfatizar que as acusações foram
formuladas na Itália sem investigações mais profundas e são
totalmente falsas".
Ele foi posteriormente libertado, sob uma fiança de três
milhões de dólares. A rede, porém, começou a fechar-se
4/106inexoravelmente, em 1977. Um grande júri federal americano
começou a investigar as acusações de violações de Sindona
envolvendo o colapso do Franklin Bank.
Sindona usou todos os recursos de que dispunha. Pessoas
importantes compareceram ao tribunal para falar em defesa
do Tubarão, enquanto ele continuava a lutar contra o pedido
de extradição. Carmelo Spagnuolo, presidente de uma divisão
do Supremo Tribunal, em Roma, jurou, em depoimento com
testemunhas, que as acusações contra Sindona não passavam
de uma conspiração comunista. Jurou também que Sindona
era um grande protetor da classe trabalhista, que as pessoas
que o investigavam na Itália eram, na melhor das hipóteses,
incompetentes, sendo controladas por perseguidores políticos.
Alertou ao tribunal americano que muitos membros do
judiciário italiano eram extremistas de esquerda e que o
Tubarão seria assassinado se voltasse à Itália. Carmelo
Spagnuolo pertencia à P2.
Licio Gelli também fez um juramento a favor de Sindona.
Declarou que ele mesmo fora acusado de ser um agente da
CIA; o chefe do esquadrão da morte argentino; um
representante do serviço secreto português; o coordenador do
serviço secreto da Grécia, Chile e da Alemanha Ocidental;
chefe do movimento fascista secreto internacional. etc.
Não fez nenhuma tentativa de negar essas várias acusações, e
não ofereceu nenhuma prova de que fossem infundadas.
Atribuiu-as ao crescimento do poder comunista na Itália. Sob
juramento, passou então a fazer algumas afirmações, tais
4/107como:
- A influência comunista já alcançou alguns setores do
governo, especialmente no Departamento de Justiça, onde,
nos últimos cinco anos, tem havido uma mudança política em
direção à extrema esquerda.
Novamente, não ofereceu nenhuma prova. Gelli afirmou que,
em decorrência da "infiltração de esquerda", Sindona não
teria um julgamento justo na Itália e provavelmente seria
assassinado. Continuou:
- O ódio dos comunistas a Sindona decorre de ele ser um
anticomunista intransigente, sempre favorável ao sistema da
livre iniciativa, numa Itália democrática.
Em 13 de novembro de 1977, Michele Sindona ofereceu uma
demonstração de sua versão do sistema de livre iniciativa
“em ação numa Itália democrática”. A planejada chantagem
contra Calvi foi desencadeada, cartazes e panfletos
começaram a surgir por toda a cidade de Milão. Acusavam
Calvi de fraude, exportação ilegal de liras, falsificação de
contas, desfalques, sonegação fiscal. Citavam os números de
contas secretas na Suíça pertencentes a Calvi. Detalhavam
transações ilícitas. Revelavam os vínculos com a máfia.
Tornou-se mais interessante ler os muros da cidade do que o
Corriere della Sera.
Sindona, que organizou a denúncia pública de Calvi, achava
que seu companheiro da P2 e protegido, Roberto Calvi, não
4/108estava dispensando genuína atenção aos seus apuros. Sindona
recorrera a Gelli, e ambos concordavam que Calvi deveria
fazer uma "substancial contribuição" à reserva financeira de
Sindona. Gelli ofereceu-se como intermediário entre seus
dois amigos maçons, desde que ambos lhe pagassem uma
comissão.
Roberto Calvi tornou a meter a mão no bolso... ou melhor,
nos bolsos dos que operavam com seus bancos. Calvi
depositou meio milhão de dólares na Banca del Gottardo, de
Lugano, em abril de 1978. Na conta de Sindona.
O homem que cuidou da campanha de cartazes e panfletos,
por ordem de Sindona, foi Luigi Cavallo, que se empenhou
na operação com a maior satisfação. Cavallo se dedicava há
algum tempo, na Itália, a esse tipo de campanha de
difamação, vendendo-se como uma prostituta a quem pagasse
mais. Os cartazes e panfletos foram seguidos, a 24 de
novembro de 1977, por uma carta ao presidente do Banco da
Itália, Paolo Baffi, relacionando todas as acusações que
haviam aparecido nos muros de Milão. A carta também se
referia a uma correspondência anterior, em que constavam
fotocópias das contas suíças de Calvi. Cavallo fechava a
companhia com a ameaça de processar o Banco da Itália por
omissão no cumprimento dos seus deveres legais, a menos
que fosse iniciada uma investigação no Banco Ambrosiano.
Essa carta revela as diferenças fundamentais entre um
criminoso de primeira categoria como Sindona e um escroque
de terceira classe como Cavallo. A carta foi idéia de Cavallo
4/109e escrita sem consulta a Sindona, que jamais autorizaria tal
ação. Pode-se roubar os ovos de ouro da galinha, mas jamais
matá-la.
Na mesma semana de abril de 1978 em que Sindona recebeu
seu pagamento de meio milhão de dólares, os dirigentes do
Banco da Itália, que há vários anos faziam graves restrições
ao Banco Ambrosiano e a Roberto Calvi, decretaram a
intervenção na instituição. Os 12 homens que assumiram a
intervenção foram cuidadosamente escolhidos pelo próprio
Paolo Baffi e por seu colega Mario Sarcinelli. Giulio
Padalino foi designado para chefiar a investigação.
Infelizmente para Calvi, Padalino era incorruptível.
A campanha de cartazes e panfletos desfechada por Sindona
foi uma mera mordida de pulga em comparação aos
problemas que Calvi tinha agora pela frente. Notícias da
investigação vazaram pelos círculos financeiros de Milão. A
cotação das ações do Ambrosiano caíram ainda mais,
forçando Calvi a desviar ainda mais dinheiro para sustentá-la.
A essa altura, o complexo império que ele controlava tinha
uma subsidiária na Nicarágua, enquanto outra era planejada
para o Peru. Havia bancos de Calvi em Porto Rico, Ilhas
Cayman e Paris, empresas no Canadá, Bélgica e Estados
Unidos.
O calcanhar-de-aquiles era a Suprafin. Se os inspetores
bancários descobrissem a verdade a respeito da Suprafin,
então seriam inevitáveis o colapso do Banco Ambrosiano e a
prisão de Roberto Calvi. Da mesma forma, a extradição há
4/110tanto desejada de Michele Sindona se tomaria muito mais
fácil. Os dois homens estavam correndo o risco de perder
tudo, inclusive a liberdade, se os inspetores conseguissem
deslindar o enigma da Suprafin. Em Milão, Calvi sentia-se
cada vez mais nervoso. Em Nova York, Sindona deixou de se
gabar do meio milhão de dólares que acabara de extorquir do
Cavaleiro. A única esperança de ambos era o bispo Paul
Marcinkus. E Marcinkus tratou de ajudá-los. Quando os
inspetores do Banco da Itália perguntaram ao gerente-geral
do Ambrosiano, Carlo Olgiati, quem possuía a Suprafin, ele
respondeu que era o Instituto per le Opere di Religione, o
Banco do Vaticano.
Calmamente, os inspetores continuaram a investigar,
detendo-se no labirinto de compras de ações, transferências,
retransferências, recompras, “estacionamento”, operações
severamente restringidas pelas leis italianas. As informações
que podiam obter de seus colegas estrangeiros eram
insuficientes. Se conseguissem, por exemplo, obter
informações detalhadas sobre a companhia holding de Calvi
no Luxemburgo, compreenderiam que os milhões de dólares
captados no mercado europeu haviam sido canalizados para
Nassau, onde Marcinkus era colega de diretoria de Calvi, e
para Manágua. E que esses dois bancos – controlados pelo
Ambrosiano – haviam, em seguida, emprestado milhões a
empresas fantasmas panamenhas, sem nenhuma garantia.
Então, tudo estaria acabado. Entretanto, foram negadas aos
inspetores informações completas sobre a companhia holding
de Luxemburgo. Calvi tentou ganhar tempo, mostrando-se
evasivo:
4/111- E muito difícil. Sabe como são esses estrangeiros, não é
mesmo? Não posso violar os regulamentos sobre sigilo
bancário.
Os inspetores do Banco da Itália continuaram a investigar.
Descobriram que, em 6 de maio de 1975, Luigi Landra, um
antigo executivo do Ambrosiano, e Livio Godeluppi, o irmão
do contador-chefe do Ambrosiano, haviam sido nomeados
diretores da Suprafin. Esses dois homens, que certamente
contavam com a plena confiança da direção do Ambrosiano,
teriam também ingressado na elite dos uomo di fiducia
[homens de confiança] do Vaticano?
Os inspetores verificaram que a Suprafin foi criada em Milão,
em novembro de 1971, por dois associados de Calvi: Vahan
Pasargiklian – que por ocasião da investigação de 1978 se
tomara diretor-gerente da Banca Cattolica – e Gennaro
Zanfagna. Teriam eles se tornado também homens de
confiança do Vaticano? A Suprafin tinha o jeito de "possuída
por Calvi" de alto a baixo.
A investigação prosseguiu. Uma análise cuidadosa das contas
correntes da Suprafin convenceu os inspetores de que a
companhia era, na verdade, de propriedade do Banco
Ambrosiano e não do Vaticano. Por que o banco compraria
ações de La Centrale da Suprafin por 13.864 liras, contra um
preço de mercado de 9.650, vendendo-as depois de volta à
Suprafin por 9.340? Para obter uma carta de agradecimento
do papa? Ou um tapinha nas costas de Marcinkus?
4/112Em julho de 1978, eles tornaram a pressionar o colega
executivo de Calvi, Carlo Olgiati. Este consultou Calvi. E
voltou com uma carta. Com o maior charme milanês, Olgiati
entregou a carta a Padalino. Era do Banco do Vaticano,
endereçada a Roberto Calvi. Estava datada de 20 de janeiro
de 1975 e dizia:
Esta serve para encaminhar uma relação da
carteira de investimentos em ações da companhia
Suprafin S.A., conforme posição em 31 de
dezembro de 1974. A companhia pertence a nosso
Instituto. Solicitamos por esta que passem a
administrar a carteira, da forma mais apropriada,
providenciando inclusive as operações de
liqüidação convenientes. Agradeceríamos se nos
mantivessem periodicamente informados da
posição da carteira e das transações efetuadas.
A carta estava assinada por Luigi Mennini e pelo contadorchefe
do Banco do Vaticano, Pellegrino de Strobel. Embora a
carta datasse de janeiro de 1975, os inspetores bancários
desconfiaram que ela tinha sido escrita depois de iniciada sua
investigação, em abril de 1978, com total aprovação do bispo
Marcinkus.
Se os inspetores acreditassem em Marcinkus e seus colegas
no Banco do Vaticano, então a Santa Sé teria conferido uma
nova conotação à expressão "caridade cristã", para agora
incluiria “entrar no mercado de ações de Milão e gastar
milhões, somente para sustentar o preço das ações do Banco
4/113Ambrosiano”. Era difícil para os inspetores do Banco da
Itália acreditarem que as doações aos pobres nas igrejas ao
redor do mundo tenham sido feitas com essa intenção.
De qualquer forma, Calvi, por cortesia do bispo, estava
inocentado, pelo menos temporariamente. A carta era a prova
concreta de que a Suprafin pertencia ao Banco do Vaticano.
O frio e distante Calvi tomou-se quase afável aos olhos de
seus colegas mais antigos, na sede de Milão. Confiante de
que bloqueara as investigações do Banco da Itália no que
considerava sua área mais vulnerável, finalizou os
preparativos para uma viagem à América do Sul com sua
mulher, Clara. A viagem foi planejada para ser, em parte,
para negócios e, em parte, para prazer. Haveria algumas
visitas para explorar localidades com potencial para outras
filiais [do Banco Ambrosiano e/ou das empresas fantasmas]
no continente sul-americano, além das inevitáveis reuniões de
negócios, associadas a tal expansão. Depois, então, passeios
turísticos sem maiores pretensões.
Uma vez na América, Calvi começou a relaxar. Então, o Papa
Paulo VI morreu. As linhas telefônicas entre a suíte do hotel
em que Calvi se hospedara em Buenos Aires e várias cidades
da Itália ficaram congestionadas. Calvi ficou horrorizado
quando soube o nome do novo papa, Albino Luciani.
Qualquer um dos outros 110 cardeais seria preferível.
Calvi estava perfeitamente consciente da ira que a tomada da
Banca Cattolica del Veneto gerara em Veneza. Sabia também
que Luciani fora a Roma numa tentativa de recuperar o
4/114controle diocesano sobre o banco. E estava igualmente a par
de que Luciani era um homem de formidável reputação pela
pobreza pessoal e intransigência em relação a transações
financeiras clericais. O episódio dos dois padres e do
especulador, em Vittorio Veneto [17], era legendário no norte da
Itália.
Calvi começou a vender algumas das ações do banco que a
Suprafin possuía. Com os inspetores olhando por cima de seu
ombro, tinha de agir cautelosamente. Mesmo assim,
descarregou 350 mil ações nas três primeiras semanas de
setembro de 1978. E foi então que soube da notícia que tanto
temia. Os dias do bispo Paul Marcinkus no comando do
Banco do Vaticano estavam contados. Se Marcinkus caísse,
seria inevitável a denúncia de toda a fraude. Não esquecera o
que Marcinkus lhe dissera, poucos dias depois da eleição de
Luciani:
— As coisas serão muito diferentes daqui por diante. Este
papa é totalmente diferente.
Albino Luciani representava uma grave ameaça a Roberto
Calvi e Michele Sindona. Os acontecimentos subseqüentes
revelariam o que acontece às pessoas que representavam
graves ameaças a esses dois.
O novo papa também representava uma grave ameaça para o
bispo Paul Marcinkus, presidente do Banco do Vaticano. Se
Luciani resolvesse investigar o banco, haveria, certamente,
--

Nota 17 Acontecimento narrado no capítulo um do livro (temos aqui só o capítulo 4)
4/115muitos cargos vagos. Mennini e De Strobel, que haviam
assinado a carta da Suprafin, também estariam com os dias
contados. Ambos haviam se envolvido, ao longo dos anos,
com as atividades criminosas de Sindona e Calvi. Se
Marcinkus tinha alguma dúvida sobre a capacidade de
Luciani de tomar providências vigorosas e eficazes, bastava
conversar com De Strobel, um advogado dos arredores de
Veneza, que conhecia muito bem o incidente dos padres
peculatários de Vittorio Veneto.
Bernardino Nogara podia ter sido um homem de pura e
exclusiva mentalidade capitalista, mas era um santo em
comparação ao que veio depois dele, na Vaticano S.A. A
companhia percorrera um longo caminho desde que
Mussolini lhe dera o impulso inicial, em 1929. Em setembro
de 1978, o papa presidia uma enorme corporação
multinacional.
Albino Luciani, dedicado a uma Igreja pobre para os pobres,
olhava pelas janelas de seu apartamento de 19 cômodos, no
terceiro andar. A tarefa que ele tinha pela frente era tão
suprema quanto o posto que ele ocupava.
Para que se transformasse em realidade o seu sonho de ser o
último "Santo Padre rico", seria preciso desativar a Vaticano
S.A. Os Estados Papais podiam ter desaparecido para sempre,
mas surgira em seu lugar uma extraordinária máquina de
ganhar dinheiro.
Havia a Administração do Patrimônio da Santa Sé (APSA),
4/116com seu presidente, o cardeal Villot, e o secretário,
monsenhor Antonetti, e as divisões chamadas ordinária e
extraordinária. A divisão ordinária geria toda a riqueza das
várias congregações, tribunais e escritórios.. Administrava
uma parcela considerável dos bens imobiliários do
pontificado. Somente em Roma, isso eqüivalia a mais de
cinco mil apartamentos alugados. Em 1979, o valor
patrimonial ultrapassava um bilhão de dólares.
A divisão extraordinária, o “outro Banco do Vaticano”, era
tão ativo em suas especulações diárias no mercado financeiro
quanto o IOR controlado por Marcinkus. Especializava-se no
mercado cambial e operava em estreito contato com o Crédit
Suisse e Société de Banque Suisse. Seu patrimônio, em
setembro de 1978, era superior a um bilhão e 200 milhões de
dólares.
O Banco do Vaticano, que Marcinkus dirigia, tinha um
patrimônio de mais de um bilhão de dólares. Seus lucros
anuais, por volta de 1978, eram de 120 milhões de dólares; 85
por cento desse total iam diretamente para o papa, a fim de
usar como julgasse conveniente. Possuía mais de onze mil
contas-correntes. Pelos termos em que o banco fora criado,
por Pio XII, durante a Segunda Guerra Mundial, essas contas
deveriam pertencer, em grande parte, a ordens e institutos
religiosos. Quando Albino Luciani tornou-se papa, porém,
apenas 1.047 pertenciam a ordens e institutos religiosos, 312
a paróquias e 290 a dioceses. As restantes 9.351 eram de
diplomatas, prelados e "cidadãos privilegiados". Uma parte
significativa da última categoria, nem mesmo era de cidadãos
4/117italianos.
Havia quatro que eram: Sindona, Calvi, Gelli e Ortolani.
Outras contas pertenciam a políticos eminentes de todas as
tendências e a grandes industriais. Muitos desses correntistas
aproveitavam as facilidades como um canal para exportar
capitais da Itália ilegalmente. Os depósitos não estavam
sujeitos a taxação.
Os dois departamentos da APSA e o Banco do Vaticano eram
alguns dos problemas que Albino Luciani tinha de superar
para que a Igreja pudesse voltar a suas origens cristãs. Havia
muitos outros problemas, mas a riqueza adquirida ao longo
dos séculos não era um dos menores. Assumia muitas formas,
inclusive incontáveis tesouros de arte.
A Vaticano S.A., como todas as multinacionais que aspiram à
respeitabilidade, não era negligente em assuntos de arte. A
generosidade do Vaticano está lá para todos verem, os
horários de visita o permitindo: os Caravaggio, as tapeçarias
de Raphael, o altar de ouro de Farnese e os castiçais de
Antonio Gentili, o Apolo do Belvedere, o Torso do
Belvedere, os quadros de Leonardo da Vinci, as esculturas de
Bernini. As palavras de Jesus Cristo seriam ouvidas menos
claramente em algum outro lugar mais modesto que a Capela
Sistina, com seu majestoso Juízo Final, de Michelangelo? O
Vaticano classifica tudo isso como bens não-produtivos. A
classificação que seria dada pelo fundador do cristianismo
pode ser avaliada por Seus comentários a respeito da riqueza
e propriedade.
4/118O que pensaria Jesus Cristo se voltasse à terra em setembro
de 1978 e tivesse entrado na Cidade do Vaticano?
O que sentiria o homem que declarou "Meu reino não é deste
mundo", se vagueasse pelos departamentos da APSA, com
suas equipes de analistas de investimentos clericais e leigos,
acompanhando as flutuações dia-a-dia, e até mesmo minutoa-
minuto, das ações e outros títulos possuídos no mundo
inteiro? O que pensaria o filho do carpinteiro dos
equipamentos IBM em funcionamento, tanto na APSA como
no Banco do Vaticano? O que diria o homem – que comparou
a dificuldade dos ricos entrarem no Reino do Céu com a de
um camelo passando pelo furo de uma agulha – sobre as
últimas cotações do mercado de ações em Londres, Wall
Street, Zurique, Milão, Montreal e Tóquio, transmitidas
incessantemente ao Vaticano?
O que diria o homem que proclamou "Bem-aventurados os
pobres" sobre o lucro anual da venda de selos do Vaticano?
Um lucro que ultrapassa um milhão de dólares. Qual seria a
Sua opinião sobre os Dízimos de Pedro, que iam diretamente
para o papa? Essa coleta anual, considerada por muitos como
um barômetro preciso da popularidade do papa, produziu
entre 15 e 20 milhões de dólares sob o carismático João
XXIII. Sob Paulo VI, depois de Humanae Vitae, caiu para
uma média de quatro milhões de dólares por ano.
O que pensaria o Fundador da Fé sobre esses poucos
exemplos de como seus ensinamentos maravilhosos e
inspiradores foram deturpados? É claro que a indagação é
4/119retórica. Se Jesus Cristo voltasse à terra em setembro de
1978, ou se viesse agora e tentasse entrar no Vaticano, o
resultado seria o mesmo. Não chegaria sequer às portas do
Banco do Vaticano. Seria preso no Portão de Santa Ana e
entregue às autoridades italianas. Nunca teria a oportunidade
de conhecer diretamente a Vaticano S.A., o conglomerado
multinacional, que é alimentado de muitas direções. Não
saberia, por exemplo, como ele obtém quantias vultosas dos
Estados Unidos e da Alemanha Ocidental; nem como, em
1978, através do imposto oficial do Kirchensteuer, a Igreja
Católica da Alemanha Ocidental recebeu 1,9 bilhão de
dólares, passando uma parcela considerável para o Vaticano.
Se Albino Luciani queria realizar o seu sonho de uma Igreja
pobre para os pobres, seria uma tarefa hercúlea. O monstro
moderno, criado por Bernardino Nogara, tornara-se autosuficiente
por volta de 1978. Quando os cardeais elegeram
Albino Luciani para o pontificado, naquele dia quente de
agosto de 1978, lançaram um papa honesto, santo e
totalmente incorruptível em rota de colisão com a Vaticano
S.A. As irresistíveis forças do Banco do Vaticano, APSA e as
outras fontes geradoras de dinheiro estavam prestes a se
confrontarem com a integridade absoluta de Albino Luciani.


FIM
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