Monday, March 4, 2013

CONHECENDO O BANCO DO VATICANO - parte 5


corresponde às páginas 80 a 99 do texto da tradução de IN GOD'S NAME: an investigation into the murder of Pope John Paul I, David Yallop, cap. 4
IMPORTANTE:
JÁ LEU AS EXPLICAÇÕES?

ONDE ESTÁ A PRIMEIRA PARTE?
AQUI


tradução de Mariangela Pedro

"Il crack Sindona" foi como os italianos chamaram a quebra.
Quando veio, foi espetacular o colapso do monumento à
ganância e corrupção que Sindona erguera. Ele dissera
pretensiosamente que não sabia a quanto se elevava sua
riqueza pessoal, mas calculava que estava na altura de meio
bilhão de dólares. Sindona achava-se um pouco confuso. A
realidade era um tanto diferente... mas a percepção da
realidade nunca foi um dos atributos do Tubarão. Suas ilusões
eram alimentadas pelas ilusões dos outros, como demonstra o
padrão meteórico de sua carreira:
Setembro de 1973: no Hotel Waldorf Astoria, em Nova
York, o primeiro-ministro da Itália, Giulio Andreotti, levantase
num banquete e pronuncia um discurso de louvor ao
Tubarão, aclamando-o “O Salvador da Lira”.
Janeiro de 1974: Grand Hotel, Roma. O embaixador
americano John Volpe concede ao Tubarão o título de
“Homem do Ano”.
Março de 1974: As cotações na Bolsa de Valores de Milão
disparam, assim como a taxa de câmbio do dólar, que está a
825 liras. Se Sindona encerrasse nesse momento as suas
vultosas operações de câmbio, sairia com um lucro de, pelo
menos, 100 bilhões de liras. Anna Bonomi, uma rival no
mundo financeiro de Milão, apresenta uma excelente
proposta para adquirir a holding de Sindona na Immobiliare.
Sindona se recusa a vender.
Abril de 1974: O mercado de ações entra em declínio e a
taxa de câmbio cai drasticamente. É o começo de Il crack
Sindona. O Franklin Bank, em Nova York, anuncia uma
renda líquida operacional para o primeiro trimestre de dois
centavos por ação, em comparação com 68 centavos por ação
no ano anterior. Mesmo essa cifra é forjada. A realidade é
que o banco sofreu um prejuízo de 40 milhões de dólares.
4/80Maio de 1974: O Franklin é contido em suas maciças
especulações de câmbio. O National Westminster, de
Londres, protesta contra o volume de compensação em libras
do Franklin, através de sua conta. Na semana anterior, a
média fora de 50 milhões de libras por dia. O Franklin
anuncia agora que não haverá dividendo trimestral – era a
primeira vez desde a Depressão que um grande banco
americano via-se obrigado a suspender o pagamento de
dividendos aos acionistas.
Julho de 1974: Os buracos começam a aparecer na Itália e
Estados Unidos. Numa tentativa de cobrir o buraco italiano, o
Tubarão funde o Unione com a Banca Privata Finanziaria. Dá
à nova criação o nome de Banca Privata. No lugar de dois
bancos médios em Milão, ele possui agora um banco muito
grande no centro financeiro da Itália. Em vez de dois enormes
buracos, ele possui agora um buraco gigantesco de 200
bilhões de liras.
Agosto de 1974: É o momento de o sistema reagir. Na Itália,
o Banco di Roma, tendo recebido uma grande parte do
império de Sindona como garantia, põe 128 milhões de
dólares no Banca Privata, numa tentativa de cobrir o buraco.
Nos Estados Unidos, receando que o colapso do Franklin
pudesse desencadear um Armageddon [13] capitalista, o governo
concede ao banco um acesso ilimitado aos fundos federais.
Mais de dois bilhões de dólares fluem das reservas para o

--
nota 13 Armageddon aqui refere-se à batalha final empreendida por Deus
e as forças do bem contra Satanás.
4/81Franklin.
Setembro de 1974: A Banca Privata entra em liqüidação
compulsória. Os prejuízos estimados ultrapassam os 300
milhões de dólares. Estão incluídos os 27 milhões de dólares
do Vaticano, além de sua participação no banco.
3 de outubro: Licio Gelli paga parte do vultoso investimento
que Sindona fizera na P2. Por cortesia de membros da P2 no
judiciário e na polícia, ele é informado que Sindona será
preso no dia seguinte. Gelli avisa Sindona.
4 de outubro: É emitido um mandado de prisão contra
Michele Sindona. Sindona foge do país. Sempre um homem
de visão, ele mudara anteriormente a sua nacionalidade. É
agora um cidadão da Suíça. O garoto da Sicília foge para a
sua pátria, instalando-se em Genebra.
8 de outubro: O Franklin Bank desmorona. Os prejuízos da
Câmara Federal de Depósitos de Seguro se elevam a dois
bilhões de dólares. É o maior estouro de um banco na história
americana.
Outubro de 1974-janeiro de 1975: A Europa estremece com
o estrondo do estouro dos bancos que são controlados ou
ligados a Sindona: Bankhaus Wolff A.G., de Hamburgo,
Bankhaus I.K. Herstatt, de Colônia, Amincor Bank, de
Zurique, e Finabank, de Genebra. Somente no Finabank,
fontes bancárias suíças calculam que os prejuízos do
Vaticano foram de 240 milhões de dólares. Os prejuízos do
4/82Finabank, apenas em operações de câmbio, são de, no
mínimo, 82 milhões de dólares.
As autoridades italianas, ou melhor, o setor das autoridades
italianas que não é controlado pela P2, tomaram-se a esta
altura muito agitadas. Sindona, seguindo finalmente para os
Estados Unidos, mostrava uma evidente relutância em voltar
à Itália. A partir de outubro de 1974, começou uma longa
batalha para extraditá-lo. Essa batalha estava fadada a ter uma
influência direta no destino final daquele14 que, na ocasião,
preocupava-se, em Veneza, com o esforço de levantar
recursos para ajudar outro grupo de pessoas mentalmente
deficientes. Considerando-se os valores que separavam
Albino Luciani e O Tubarão, era difícil encontrar contraste
maior entre dois homens.
Embora a presença de Sindona na Itália fosse exigida com
toda a urgência, ele se tornara, certamente, persona non grata
no Vaticano. À medida que o secretário de Estado, cardeal
Villot, levava-lhe notícias de cada novo aspecto de il crack, o
papa Paulo tornava-se cada vez mais consternado. Já se disse
que o papa Paulo aspirara ser o primeiro papa pobre dos
tempos modernos. Isso é uma falácia. A liqüidação da maior
parte dos investimentos italianos do Vaticano só tivera um
objetivo: mais lucro. Impelido pelo desejo de evitar os
impostos italianos sobre os lucros de ações e querendo uma
14 Esta pessoa era, precisamente, Albino Luciani, então patriarca de
Veneza. Assim, o autor mostra, paralelamente, em que estavam
envolvidos Sindona e o futuro papa, para ressaltar o contraste
entre eles.
4/83discrição maior na Itália, o Vaticano deixara-se seduzir por
Sindona e seu grupo, com a perspectiva de maior riqueza
através de investimentos nos Estados Unidos, Suíça,
Alemanha e outros países.
A história que o Vaticano quer impingir hoje é a de que o
papa Paulo sozinho foi responsável, por quase uma década,
pelo profundo e contínuo envolvimento com Michele
Sindona. É outra falácia do Vaticano. É significativo observar
que essa mentira em particular jamais aflorou enquanto o
papa Paulo ainda estava vivo. Sindona era a resposta para as
orações do Vaticano, segundo o secretário particular do papa,
monsenhor Pasquale Macchi. E essa era também a opinião
dos assessores de Paulo, o cardeal Guerri e Benedetto
Argentieri (da Administração Especial), de seu secretário de
Estado, o cardeal Villot, bem como a de Umberto Ortolani.
Todos eles influenciaram o papa Paulo que, persuadido a
respeito de Sindona, abriu a porta de bronze e fez sinal para
que O Tubarão entrasse. Uma vez lá dentro, ele passou a
fazer o que bem queria. Na verdade, o papa poderia ter sido
alertado, se os seus assessores exercessem cautela elementar.
Um exame meticuloso dos acontecimentos já descritos leva à
conclusão inevitável de que muitos no Vaticano estavam
prontos, dispostos a, e até mesmo ansiosos em aderir às
atividades criminosas de Michele Sindona. Macchi,
Argentieri, Guerri e Villot eram homens honrados?
Marcinkus, Mennini e Spada, do Banco do Vaticano, eram
homens honrados? Sua Santidade, o Papa Paulo VI, era um
homem honrado?
4/84O bispo Marcinkus foi obrigado a sofrer a indignidade de
diversas sessões de interrogatório intensivo pelas autoridades
italianas sobre o seu relacionamento pessoal e comercial com
Michele Sindona. Marcinkus, relembremos, era diretor de um
banco em Nassau, no paraíso fiscal das Bahamas, por
determinação de Sindona e Roberto Calvi. Marcinkus, amigo
íntimo de Sindona, durante outro interrogatório intensivo, em
abril de 1973, disse aos representantes do governo dos
Estados Unidos:
- Michele e eu somos grandes amigos. Nós nos conhecemos
há muitos anos. Minhas transações financeiras com ele, no
entanto, têm sido bastante limitadas. Ele é um dos industriais
mais ricos da Itália. E está bem à frente de seu tempo em
questões financeiras.
Menos de dois anos depois de ter feito essa declaração, o
honrado bispo Paul Marcinkus foi entrevistado pela revista
italiana L’Espresso a respeito de seu relacionamento com
Sindona. O bispo disse, na manhã de 20 de fevereiro de 1975:
- A verdade é que nem mesmo conheço Sindona. Como
poderia então perder dinheiro para ele? O Vaticano não
perdeu um único centavo e o resto é fantasia.
Para um presidente de banco, o bispo Marcinkus apresentava,
constantemente, uma memória muito fraca.
Declarou a representantes do governo dos EUA, em 1973:
4/85- Minhas transações financeiras com Michele Sindona têm
sido bastante limitadas.
Pelo contrário, suas transações financeiras com o banqueiro
mafioso eram muitas e constantes desde o final dos anos 60
até um pouco antes de Il crack Sindona, em 1975. Menos de
dois anos antes de seu interrogatório pelos representantes do
governo norte-americano e do FBI, Sindona desempenhara
um papel decisivo na venda da Banca Cattolica por
Marcinkus a Roberto Calvi, no valor de 46,5 milhões de
dólares, uma transação em que Sindona fez um pagamento
ilegal de 6,5 milhões de dólares a Calvi e a Marcinkus. Esta,
assim como outras perdas infligidas ao Vaticano por Sindona,
não foi uma “fantasia”.
O Dr. Luigi Mennini, secretário-inspetor do Banco do
Vaticano, foi preso em decorrência do estouro de Sindona e
seu passaporte confiscado. Mennini, que trabalhava
diretamente sob as ordens de Marcinkus, negou tudo, nada
sabia. Possivelmente um de seus filhos, Alessandro, que
ocupava um alto cargo executivo na seção de assuntos
exteriores do Banco Ambrosiano, o centro nervoso de grande
parte das especulações de câmbio, ficaria igualmente
desconcertado se interrogado sobre as atividades criminosas
de Sindona e Calvi.
Antes de Il crack Sindona, Mennini especulava, em nome do
Banco do Vaticano, com moedas estrangeiras, junto com o
colega de Sindona, Carlo Bordoni. Ao longo dos anos,
4/86Bordoni passou a conhecê-lo muito bem:
- Apesar de se comportar como um prelado, ele era um
jogador inveterado. Atormentava-me, em todos os sentidos
da palavra, porque ele queria ganhar dinheiro em
quantidades sempre crescentes. Especulava no Finabank, em
ações, em mercadorias. Lembro-me de que um dia ele me
entregou uma carta curta de Paulo VI, que me dava sua
bênção por meu trabalho como consultor da Santa Sé.
Mennini era praticamente um escravo da chantagem de
Sindona, que muitas vezes ameaçou divulgar informações
sobre as operações ilegais que ele realizara com o Finabank.
Massimo Spada, secretário-administrativo do Banco do
Vaticano, também sob as ordens diretas do bispo Marcinkus,
aposentou-se oficialmente em 1964, mas continuou a
representar uma ampla gama de interesses do Vaticano.
Como Mennini, Spada abriu a porta de sua casa uma manhã
para se deparar com agentes da polícia financeira italiana
munidos de um mandado de busca e apreensão. Suas contas
bancárias foram bloqueadas por determinação judicial. Seu
passaporte foi confiscado. Três ações judiciais diferentes
foram iniciadas contra ele, por inúmeras violações das leis
bancárias e falência fraudulenta.
Spada, que segundo o depoimento sob juramento de Carlo
Bordoni era outro escravo da chantagem de Sindona,
conhecia plenamente todas as operações ilegais de Sindona,
adotou a versão clássica do Banco do Vaticano, quando foi
4/87entrevistado por L’Espresso, em fevereiro de 1975:
— Quem poderia imaginar que Sindona era um louco? —
Spada, diretor de três bancos de Sindona, com altos salários,
continuou:
— Em 45 anos, nunca me encontrei numa situação assim. Já
atravessei os períodos mais difíceis, mas nunca vi nada
parecido. Lunáticos delirantes que começaram a comprar
bilhões de dólares em moedas européias. Todos os prejuízos
decorreram disso. Quem poderia imaginar que todos os dias
Bordoni vendia 50 ou 100 milhões de dólares contra francos
suíços ou florins holandeses? O que um conselho de
administração pode saber das operações alucinadas que
ocorreram entre janeiro e junho de 1974?
Na ocasião em que fez esses comentários, Spada era
considerado, aos 70 anos de idade, um homem de negócios
tão brilhante que ainda pertencia ao conselho de
administração de 35 empresas.
E assim ele continuou. Ninguém no Vaticano conhecia
Sindona ou sabia de suas atividades criminosas. Os
benevolentes homens de Deus foram “enganados” pelo
Diabo.
É possível que todos fossem de fato homens honrados, traídos
por Michele Sindona? É possível que representantes do
Vaticano, como Mennini e Spada, participassem das
diretorias dos bancos de Sindona e permanecessem
4/88ignorantes dos crimes que Sindona e Bordoni cometiam?
Massimo Spada entregou tudo em sua entrevista a
L'Espresso. Perguntaram-lhe se apenas Sindona e Bordoni
eram culpados de especulações de câmbio:
- Você deve estar brincando. Usar centenas e centenas de
bilhões em operações de câmbio tornou-se um hábito para os
bancos. Quando um operador médio do mercado de Milão
movimenta uma média diária de 25-30 bilhões de liras e um
pequeno banco milanês movimenta 10-12 bilhões de liras,
em operações de câmbio, e todo o sistema bancário italiano
permanece em silêncio, então temos de agradecer à
Providência, Deus, Santo Ambrósio, São Jorge e, acima de
tudo, São Januário. Eu diria que, a esse respeito, deveriam
enviar cartas legais a todos os bancos italianos,
comunicando que estavam sendo investigados.
Assim, de acordo com Spada – um homem cujo nome era
sinônimo de Vaticano S.A., um homem que nascera na
dinastia financeira da família Spada (o bisavô fora banqueiro
do Príncipe Torlonia; o avô, um diretor do Banco da Itália; o
pai, Luigi, um agente de câmbio, e ele mesmo trabalhara para
a Vaticano S.A. desde 1929), um homem com antecedentes
ilustres – todo o sistema bancário italiano se achava afundado
até o pescoço em atividades criminosas. Mas ele próprio
alegava ignorar o que acontecia nos próprios bancos de que
era diretor.
Depois do estouro, as estimativas dos prejuízos do Vaticano
foram muitas e variadas, indo do cálculo dos banqueiros
4/89suíços, anteriormente citado, de 240 milhões de dólares, à
declaração do próprio Vaticano: “Não perdemos um
centavo".
A verdade pode ser encontrada, provavelmente, na faixa de
50 milhões de dólares. Quando a multinacional do outro lado
do Tibre falou não ter perdido um centavo, certamente levava
em consideração os enormes lucros anteriores decorrentes de
sua associação com O Tubarão. Mas uma redução do lucro
total de 300 milhões para 250 milhões de dólares é um
prejuízo em qualquer língua, inclusive o latim.
Acrescente-se a esse prejuízo de 50 milhões de dólares
acarretado por Sindona mais 35 milhões de dólares perdidos
pela Vaticano S.A. no curioso caso do Banco di Roma per la
Svizzera (Svirobank), de Lugano. O Banco do Vaticano
possuía a maioria acionária de 51 por cento nesse banco
suíço, que tinha como presidente o príncipe Giulio Pacelli.
Luigi Mennini era o diretor-executivo. Como todos os outros
bancos ligados ao Vaticano, o Svirobank especulava com os
recursos escusos dos exportadores ilegais de liras e de setores
da confraria criminosa da Itália. Especulações em ouro e
moedas estrangeiras eram ocorrências cotidianas. Em 1974,
um rombo começou a aparecer. A culpa foi prontamente
atribuída ao diretor-gerente, Mario Tronconi, o que é bastante
estranho, tendo em vista que a pessoa que cuidava
pessoalmente das transações era Franco Ambrosio.
Mario Tronconi foi "suicidado" no outono de 1974.
Encontraram seu corpo na linha ferroviária Lugano-Chiasso.
4/90Havia em seu bolso uma carta de despedida para a esposa.
Antes de sua morte, indubitavelmente para sua tranqüilidade,
Pacelli, Mennini e os outros diretores do Svirobank
obrigaram Tronconi a assinar uma confissão em que assumia
plena responsabilidade pelo rombo de 35 milhões de dólares.
Ninguém denunciou Ambrosio, o homem que realmente
criara o rombo. Ao contrário, Ambrosio foi incumbido de
recuperar o prejuízo. A verdade só veio à luz dois anos
depois, quando Mario Barone, um dos presidentes do
conselho de administração do Banco di Roma (que possuía os
outros 49 por cento do Svirobank), foi preso e interrogado a
respeito de Il crack Sindona.
Evidentemente, o sistema bancário italiano apresenta muitos
riscos inerentes. Mario Tronconi foi apenas um dos membros
da confraria cuja morte deu a impressão de se tratar de
suicídio. Na década subseqüente, a lista aumentaria de
maneira alarmante. A Solução Italiana seria aplicada a um
número crescente de problemas.
Enquanto Michele Sindona lutava contra sua extradição de
Nova York e tramava vingança, a Vaticano S.A. voltava a
especular, através do sucessor dele, Roberto Calvi. Ele era
conhecido nos círculos financeiros de Milão como "Il
Cavaliere", o Cavaleiro, um curioso apelido para o homem
que era o caixa-pagador da P2. Esse apelido teve origem em
1974, quando Giovanni Leone, então presidente da Itália,
nomeou Calvi "Cavaliere del Lavoro", Cavaleiro do
Trabalho, por seus serviços à economia italiana. Calvi
substituiria Sindona como o homem que limpava o dinheiro
4/91da máfia e realizou o maior roubo na história dos negócios
bancários.
Roberto Calvi nasceu em Milão, em 13 de abril de 1920, mas
suas raízes familiares estão em Valtellina, um longo vale
alpino perto da fronteira suíça e próximo da cidadezinha natal
de Albino Luciani. Ambos eram homens das montanhas.
Depois de estudar na prestigiosa Universidade Bocconi, lutou
por Mussolini na frente russa, durante a Segunda Guerra
Mundial. Depois da guerra, seguiu o caminho do pai,
ingressando na atividade bancária. Começou a trabalhar no
Banco Ambrosiano, em Milão, em 1947. Derivando seu
nome de Santo Ambrósio, o banco irradiava religiosidade.
Como a Banca Cattolica del Veneto, era conhecido como
"Banco dos padres". Certificados de batismo estabelecendo
que o portador era católico se faziam indispensáveis para a
abertura de uma conta. Orações agradecendo a Deus pelos
lucros anuais eram feitas ao final das assembléias. No início
dos anos 60 havia um clima de reverência no banco,
maior do que em muitas igrejas próximas.
O Cavaleiro de olhos frios tinha outros planos para o apático
banco diocesano, que incluía entre os seus clientes o cardeal
Giovanni Montini, arcebispo de Milão [e futuro Papa Paulo
VI].
Quando Montini tornou-se o Papa Paulo VI, em 1963, Calvi
já progredira para o posto de executivo júnior no banco.
Quando o papa Paulo decidiu chamar Sindona ao Vaticano, a
fim de aliviar a Igreja de seus investimentos italianos
4/92embaraçosamente vultosos, o Tubarão e o Cavaleiro já eram
amigos íntimos. Conspiravam então para assumir o controle
do Banco Ambrosiano e transformá-lo num tipo muito
especial de instituição bancária internacional. Calvi tornou-se
o diretor-gerente do banco em 1971. Aos 51 anos, elevara-se
muito além do humilde cargo burocrático do pai.
O homem médio se contentaria com os louros já conquistados
e em desfrutar da condução das orações nas reuniões de
diretoria. Só que a única coisa mediana em Roberto Calvi era
a sua altura. Sua capacidade de elaborar esquemas tortuosos
para limpar o dinheiro da máfia, exportar liras ilegalmente,
sonegar impostos, ocultar os atos criminosos de compra de
ações de seu próprio banco (fraudando o mercado de ações de
Milão), subornar, envolver em corrupção, obstruir a ação da
justiça; providenciar uma prisão indevida aqui, um
assassinato ali... sua capacidade para fazer tudo isso e muito
mais põe o Cavaleiro numa categoria criminosa muito
especial. Calvi estava inclinado a aconselhar a todos em geral
que, se quisessem entender os caminhos do mundo, deveriam
ler O Poderoso Chefão, um romance de Mario Puzo.
Carregava um exemplar sempre a todos os lugares que ia,
como um padre com sua Bíblia.
Calvi foi apresentado ao bispo Marcinkus por Sindona em
1971, ingressando imediatamente no seleto clã do Vaticano
dos uomo di fiducia, os homens de confiança, a pequena elite
que trabalhava com, e para, a Vaticano S.A. Homens como
Sindona, Spada, Mennini e Bordoni eram escolhidos com o
4/93maior cuidado possível.
Em 1963, Calvi formou uma companhia no Luxemburgo
chamada Compendium (o nome foi posteriormente mudado
para Banco Ambrosiano Holdings S. A.). Essa empresafantasma
era a base dos esquemas de Calvi. Milhões de
eurodólares emprestados estavam destinados a passar por
essa holding do Luxemburgo. O número de bancos do mundo
inteiro, enganados a emprestar dinheiro diretamente a essa
pequena empresa-fantasma, ultrapassou 250. O valor total em
dinheiro foi superior a 450 milhões de dólares.
O império do Cavaleiro cresceu rapidamente. No início dos
anos 60, o Banco Ambrosiano já adquirira a Banca del
Gottando em Lugano, Suíça. Este tornou-se o principal
veículo para limpar o dinheiro da máfia, depois do colapso do
Amincor de Sindona, em Zurique. Outros bens estrangeiros
se seguiriam.
Um deles foi o Banco Ambrosiano Overseas Ltd., sediado em
Nassau. Essa sucursal no paraíso fiscal das Bahamas foi
aberta em 1971 e, desde o começo, o bispo Paul Marcinkus
constou do seu conselho de administração. Foi originalmente
chamado Cisalpine Overseas Bank, a fim de afastar membros
curiosos da polícia financeira italiana.
Os lucros canalizados para os cofres do Banco do Vaticano
aumentaram proporcionalmente ao império de Calvi. Para se
compreender muitas das operações financeiras complicadas e
às vezes deliberadamente confusas em que Calvi se
4/94empenhou, ao longo dos anos 70, deve-se considerar um fato
da maior importância: fundamentalmente, o Banco
Ambrosiano de Milão e o Banco do Vaticano estavam
estreitamente ligados. Muitas das operações cruciais foram
conjuntas. Calvi só foi capaz de violar as leis tantas vezes
porque o Banco do Vaticano lhe prestava uma assistência
total.
Quando Calvi, em 19 de novembro de 1976, desejou adquirir
53,3 por cento do Banco Mercantile S.A., de Florença, a
operação pareceu ser efetuada por ordem do Banco do
Vaticano. As ações seguiram um caminho tortuoso para
chegarem, em 17 de dezembro de 1976, à corretora de Milão
Giammei & Cia, que freqüentemente operava por ordem do
Vaticano. Através de hábeis manobras no papel, as ações
foram "estacionadas" no mesmo dia no Banco do Vaticano. O
fato de o Vaticano não dispor de fundos suficientes, numa
conta especifica, para pagar as ações foi superado por um
crédito de oito bilhões de liras., em 17 de dezembro de 1976,
numa conta recentemente aberta, nº 42801. No verão
seguinte, em 29 de junho de 1977, a Giammei comprou de
volta as ações do Banco do Vaticano, por intermédio do
Credito Commerciale, de Milão. Enquanto as ações seguiam
por esse caminho tortuoso, estavam passando, pelo menos no
papel, por um dramático aumento de preço. A aquisição
original fora efetuada por 14 mil liras por ação. Quando as
ações voltaram à Giammei, estavam cotadas a 26 mil liras por
unidade. Em 30 de junho de 1977, as ações foram vendidas
pelo Credito Commerciale à Immobiliare XX Settembre S.A.,
controlada por Calvi. No papel, o Banco do Vaticano obteve
4/95um lucro de 7.724.378.100 liras, com a alta das cotações. A
realidade foi que Calvi pagou ao Banco do Vaticano 800
milhões de liras pelo privilégio de usar seu nome e
instalações.
O Banco do Vaticano, sediado no estado independente da
Cidade do Vaticano, estava fora do alcance dos inspetores
bancários italianos. Vendendo a si mesmo as ações que já
possuía pelo dobro do preço de compra original, Calvi
aumentou consideravelmente, no papel, o valor do Banco
Mercantile e roubou 7.724.378.100 liras, menos a comissão
que pagou ao Banco do Vaticano. Posteriormente, Calvi
vendeu as ações à sua rival financeira de Milão, Anna
Bonomi, por 33 bilhões de liras.
Com a cooperação intensa e contínua do Banco do Vaticano,
Calvi pôde abrir um caminho ilegal e criminoso através das
leis italianas. Operações como a que foi descrita não
poderiam ocorrer sem o pleno conhecimento e aprovação de
Marcinkus.
Com relação ao esquema Sindona/Calvi/Marcinkus para a
Banca Cattolica del Veneto, todos os indícios disponíveis
sugerem uma conspiração criminosa de todos os três.
Marcinkus queria manter a operação em segredo, até mesmo
do Papa Paulo VI. Alguns anos depois, Calvi relembrou tal
transação, contando o abaixo para Flavio Carboni:
- Marcinkus, que é um tipo rude, nascido de pais pobres,
num subúrbio de Chicago, queria executar a operação sem
4/96sequer informar ao chefão. Estou falando do papa. Tive três
reuniões com ele a respeito da Banca Cattolica del Veneto.
Queria vendê-lo a mim. Perguntei-lhe se tinha certeza, se lhe
era viável, se o chefão concordava com isso. Eu é que insisti
e disse a ele: "Conte tudo ao chefão". Marcinkus aceitou
meu conselho. Depois me disse que falara com Paulo VI, que
deu seu consentimento. Algum tempo depois, arranjou-me
uma audiência com Paulo VI, que me agradeceu por ter
resolvido alguns dos problemas da Biblioteca Ambrosiana.
Mas compreendi que ele me agradecia pela compra da
Banca Cattolica del Veneto.
Se alguém procura a confirmação de que, no início dos anos
70, o papa adquiriu o título adicional de presidente pode
achá-la na descrição de Calvi [acima]. O Santo Padre e
Vigário de Jesus é reduzido a "chefão".
Igualmente esclarecedora é a apreensiva pergunta de Calvi ao
bispo Marcinkus:
— Tem certeza? É viável para você?
O banqueiro milanês estava obviamente ciente dos laços que
ligavam o banco ao clero de Veneto. O fato de que Marcinkus
desejava manter o papa alheio às transações é mais uma
indicação de quão escusa foi a venda a Calvi. E, por certo, era
sensato o conselho do cardeal Benelli a Luciani, de que o
papa não intercederia a favor do patriarca [o próprio Luciani],
seus bispos e padres em relação à compra da Banca Cattolica
por Calvi. Não fazia muito sentido reclamar com o homem
4/97que dera sua bênção pessoal à venda. O que o Papa Paulo VI
criou, com a ajuda de Calvi, Marcinkus e Sindona, foi uma
bomba-relógio, que continuaria a tiquetaquear até setembro
de 1978.
Temerosos de uma reação hostil por parte de Veneza, todas
as notícias sobre a venda do banco foram proibidas por Calvi
e Marcinkus. Em 30 de março de 1972, o grupo de Calvi
anunciou que havia adquirido 37,4 por cento da Banca
Cattolica, mas os documentos que consegui contam uma
outra história.
Em julho de 1971, Calvi escreveu para Marcinkus:
Por intermédio desta carta, desejamos formalizar
a nossa firme proposta de comprar até 50 por
cento das ações da Banca Cattolica del Veneto,
Vicenza, ao preço de 1.600 liras por ação, com o
usufruto ocorrendo nas seguintes etapas:
1. Por 45 por cento das ações da referida
empresa, num total de 16.254.000 ações, com a
aplicação dependendo da aceitação de nossa
oferta e contra um pagamento a ser efetuado por
nós de 42 milhões de dólares.
2. Para as ações restantes, constituindo mais 5
por cento do capital, num total de 1.806.000
ações, a se efetuar depois da data da “declaração
de intenções", relativas a mencionada Banca
4/98Cattolica del Veneto, a ocorrer antes de 31 de
outubro de 1971 e contra um pagamento de 4,5
milhões de dólares, em 29 de outubro de 1971.
Na prática, o Banco do Vaticano recebeu 46,5 milhões de
dólares, pelo valor de 1971, o que representaria hoje 115
milhões de dólares.
Calvi sabia que, por sua insistência, a proposta seria
apresentada ao papa. Acrescentou na carta:
Comunicamos ainda que assumimos formalmente
a responsabilidade de manter inalteradas as
atividades da Banca Cattolica del Veneto em seus
critérios de elevados padrões morais, sociais e
religiosos.
A cópia do Vaticano está oficialmente carimbada e assinada
por Marcinkus. Assim, Veneza só tomou ciência da venda
secreta de 1971 cerca de um ano depois.
Os "elevados padrões morais, sociais e religiosos" foram tão
depressa abandonados por Calvi, depois que assumiu o
controle do banco, que, em 1972, todo o clero da região se
levantou em protesto e começou a se dirigir à residência de
Luciani, em Veneza. Luciani partiu às pressas para Roma,
mas 1972 não era, claro, o momento para uma ação
reparadora, com Paulo VI abençoando a transação. O
momento para a ação seria setembro de 1978 [15].

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nota 15 Quando Luciani se tornou – ele – o papa, mas não um “chefão”.
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