Monday, March 4, 2013

CONHECENDO O BANCO DO VATICANO - parte 4


- corresponde às páginas 60 a 79 do texto da tradução de IN GOD'S NAME: an investigation into the murder of Pope John Paul I, David Yallop, cap. 4
IMPORTANTE:
JÁ LEU AS EXPLICAÇÕES?


ONDE ESTÁ A PRIMEIRA PARTE?
AQUI


tradução de Mariangela Pedro

O dossiê está repleto de detalhes de como a máfia siciliana, as
famílias Inzerillo e Spatola, transferia a heroína da Sícília
para seus colegas em Nova York; de sua infiltração na
companhia aérea italiana Alitalia, e de como 50.000 dólares
foram doados por algumas "famílias" nova-iorquinas a alguns
de seus associados para receberem bagagens de Palermo,
contendo heroína refinada em um dos cinco laboratórios de
narcóticos da família Inzerillo, na Sicília. No final dos anos
60, os lucros das famílias sicilianas com a venda da heroína
excediam 500 milhões de dólares por ano. O dossiê detalha as
viagens anuais de aproximadamente 30 navios que, até
recentemente, deixavam os portos libaneses com cargas de
heroína, refinada ou não, com destino a vários portos no sul
da Itália.
A pergunta mais séria a ser levantada acerca desta questão é
por que tais evidências incriminadoras não foram usadas e
ficaram ocultas durante os anos 60 e 70. A CIA nunca inicia
um plano de ação – apenas executa ou tenta executar
instruções do presidente. Será que uma sucessão de
presidentes acharam que as atividades mafiosas deveriam ser
toleradas para garantir que a Itália, um membro da OTAN,
não caísse nas mãos dos comunistas através da eleição
popular?
As famílias mafiosas precisavam desesperadamente de gente
como Michele Sindona. O extraordinário aumento de
depósitos bancários e a criação de novos bancos e filiais na
Sicília, uma das regiões mais pobres do país, dão testemunho
da extensão do problema da máfia. Entra em cena Michele
Sindona. Em determinada ocasião, perguntaram a Sindona
onde obtivera o dinheiro necessário para as suas operações
grandiosas. Ao que ele respondeu:
- Cerca de 95 por cento constituem dinheiro dos outros.
Era uma resposta 95 por cento verdadeira.
Assim era Michele Sindona, o homem escolhido pelo Papa
4/60Paulo VI para atuar como conselheiro financeiro do Vaticano;
o homem escolhido, depois de uma longa amizade com o
papa, para mascarar a ostensiva posição financeira da Igreja
na Itália. O plano era vender a Sindona alguns dos principais
bens adquiridos sob o comando de Nogara. A Vaticano SA.
estava prestes a se distanciar do aspecto inaceitável do
capitalismo. Teoricamente, adotaria a filosofia da mensagem
que o Papa Paulo VI levou ao mundo, contida em sua
encíclica de 1967, Populorum Progressio:
Deus destinou a terra e tudo o que ela contém
para o uso de todos os homens e todos os povos,
de forma que os benefícios da criação possam
fluir em proporções justas para as mãos de todos,
de acordo com a regra de justiça que é
inseparável da caridade. Todos os outros direitos,
inclusive o de propriedade particular e de livre
comércio, devem estar subordinados a isso; não
devem obstruir mas, ao contrário, promover sua
realização. É um dever sério e urgente restaurar
os objetivos originais.
O papa Paulo, na mesma encíclica, citou Santo Ambrósio:
“Nunca se dá aos pobres o que é de outro; simplesmente se
devolve o que a eles pertence. Pois aquilo de que se apropriou
foi dado para o uso comum de todos. A terra é dada a todos e
não apenas aos ricos”.
Quando essa encíclica foi divulgada, o Vaticano era o
maior proprietário imobiliário particular do mundo. A
4/61Populorum Progressio também contém a observação
memorável de que, mesmo quando populações inteiras
sofrem terríveis injustiças, a insurreição revolucionária não é
a resposta: “Não se pode combater um mal real com um mal
ainda maior”.
Confrontados com o problema do mal de uma Igreja Católica
rica quando, aparentemente, se desejava uma Igreja pobre
para os pobres, o papa e seus conselheiros decidiram liquidar
uma parcela considerável de seus bens italianos e reinvestir
em outros países. Evitariam, assim, os altos impostos e a
receita sobre os investimentos seria melhor. Quando o papa
Paulo proclamou as magníficas aspirações da Populorum
Progressio, em 1967, o Vaticano já operava há alguns anos
com Michele Sindona. Através da evasão ilegal de moeda
dos bancos italianos de Sindona, através do Banco do
Vaticano, para o banco suíço que possuíam
conjuntamente, Sindona e o Vaticano podiam não estar
fazendo os bens da criação fluírem para os pobres mas,
certamente, faziam com que fluíssem para fora da Itália.
No início de 1968, outro banco controlado pelo Vaticano, a
Banca Unione, estava com problemas. O Banco do Vaticano
possuía 20 por cento daquele banco, aproximadamente.
Massimo Spada e Luigi Mennini eram seus representantes no
conselho diretor. Em 1970, dois anos após Sindona assumir o
controle do banco, obteve-se, em teoria, surpreendente
sucesso. Com a estratégia de visar o pequeno correntista e
oferecer taxas mais vantajosas, os depósitos subiram de 35
milhões para mais de 150 milhões de dólares. Pelo menos na
4/62teoria.
Na prática, durante o mesmo período, o banco foi roubado em
250 milhões por Sindona e seus associados. Grande parte
dessa fortuna desapareceu através de outro banco de Sindona
– o Banco Amincor, de Zurique. Outra parte dessa quantia
perdeu-se numa enorme especulação no mercado de prata.
Um dos profundamente impressionados com Sindona nessa
época era David Kennedy, presidente do Continental Illinois,
que em breve seria escolhido para secretário da Fazenda no
governo do presidente Nixon.
Em 1969, era evidente para o Vaticano que ele havia perdido
a longa batalha com o governo italiano envolvendo a taxação
dos dividendos de ações. Compreendendo que descarregar
todas as suas ações no mercado resultaria no possível colapso
da economia italiana, ocorreu ao Vaticano que tal ação
também seria prejudicial a si mesmo. Um colapso de tal
magnitude acarretaria vultosos prejuízos para o Vaticano.
O papa, juntamente com o cardeal Guerri, chefe da
Administração Especial da APSA, resolveu retirar da carteira
de investimentos do Vaticano, na Itália, a participação
acionária na gigantesca Società Generale Immobiliare. Com
bens no valor superior a meio bilhão de dólares espalhados
pelo mundo, era um portfolio altamente visível. O papa
tomou a chamar O Tubarão. A cotação da ação da Società
Generale Immobiliare estava em tomo de 350 liras. O
Vaticano possuía, direta ou indiretamente, cerca de 25 por
cento dos 143 milhões de ações. Sindona não gostaria de
4/63comprar? A questão foi apresentada pelo cardeal Guerri. A
resposta de Sindona foi imediata e positiva. Ficaremos com
tudo, ao dobro do preço do mercado. Guerri e o papa Paulo
experimentaram a maior satisfação. O acordo entre Sindona
e Guerri foi assinado numa reunião secreta à meia-noite,
no Vaticano, na primavera de 1969.
Para o Vaticano, foi uma reunião particularmente proveitosa.
Queria também descarregar a sua participação acionária
majoritária na Condotte d’Acqua, a companhia fornecedora
de água de Roma, e o controle acionário da Cerâmica Pozzi,
uma empresa química e de porcelana que vinha sofrendo
prejuízos. O Tubarão sorriu, acertou um preço e fechou os
dois negócios.
Precisamente, quem idealizara toda essa operação? Quem
conseguira uma maravilhosa comissão de Sindona e recebeu
altos elogios do Papa Paulo VI e do cardeal Guerri? A
resposta é a prova irrefutável não só de quanto a P2 penetrara
no Vaticano, mas também de como os interesses da P2, da
máfia e do Vaticano eram idênticos. O segundo homem
depois de Licio Gelli, Umberto Ortolani, era o responsável
pela articulação da gigantesca transação. Tudo o que Sindona
tinha de fazer era efetuar o pagamento.
É fácil comprar companhias quando se usa o dinheiro dos
outros. O pagamento inicial foi feito exclusivamente com
dinheiro ilegalmente convertido dos depósitos da Banca
Privata Finanziaria. Na última semana de maio de 1969,
Sindona transferiu cinco milhões de dólares para um pequeno
4/64banco de Zurique, o Privat Kredit Bank. Esse banco recebeu
instruções para enviar o dinheiro de volta ao BPF, na conta da
Mabusi Beteiligung. A Mabusi, instalada numa caixa postal
em Vaduz, a capital de Liechtenstein, era uma companhia
controlada por Sindona. O dinheiro foi transferido em
seguida para outra companhia controlada por Sindona, a
Mabusi Italiana. E, depois, os cinco milhões de dólares foram
pagos ao Vaticano. Mais dinheiro foi levantado para o
pagamento das enormes aquisições com a participação do
Hambros e da gigante americana Gulf and Western.
Sindona certamente possuía um senso de humor muito
desenvolvido. Uma das empresas possuídas pela Gulf and
Western era a Paramount. Um dos seus filmes mais bemsucedidos
no período foi a adaptação do livro de Mario Puzo,
O Poderoso Chefão. Assim, um filme apresentando uma
visão atraente e amoral do mundo da máfia produzia lucros
vultosos, uma parte dos quais serviu para apoiar Michele
Sindona, assessor financeiro também das famílias mafiosas
Gambino e Inzerillo. Em troca, eles canalizavam os lucros
multimilionários, adquiridos, em grande parte, das transações
com heroína, para os bancos de Sindona. O círculo se
completava. A vida imitava a arte.
No início dos anos 70, a maciça evasão ilegal de dinheiro da
Itália produzia graves conseqüências na economia. Sindona e
Marcinkus podiam estar obtendo grandes lucros de seus
esforços para desviar dinheiro da Itália, mas o efeito sobre a
lira era devastador. O desemprego aumentou. O custo de vida
disparou. Indiferentes, Sindona e seus associados
4/65prosseguiram em suas especulações. Pressionando as
cotações das ações para um nível exagerado, os bancos de
Sindona se beneficiavam com os milhões de dólares dos
outros.
Sindona e seu amigo íntimo Roberto Calvi, do Banco
Ambrosiano, gabavam-se abertamente, nessa época, de
controlar o mercado de ações de Milão. Era um controle que
aproveitaram criminalmente, por vezes incontáveis. As
cotações subiam e desciam como ioiôs. Manobravam-se as
companhias, para a diversão e benefício financeiro de
Sindona e seus associados. A manipulação de uma empresa
possuída pelo Vaticano, chamada Pacchetti, oferece um
exemplo das atividades corriqueiras desses indivíduos.
Pacchetti começou sua vida com um pequeno e insignificante
curtume. Sindona adquiriu a empresa em 1969, decidido a
transformá-la num conglomerado. Tomou como modelo a
Gulf and Western, um gigantesco conglomerado norteamericano
com uma larga gama de interesses, que se
estendiam dos estúdios da Paramount a editoras e empresas
de aviação. As aquisições de Sindona para a ex-empresa de
Pacchetti foram mais modestas. Na verdade, a empresa
tornou-se uma lata de lixo comercial, tendo participação em
usinas siderúrgicas e fábricas de detergentes de uso
doméstico malsucedidas. Entretanto, a Pacchetti possuía uma
jóia: Sindona adquirira do arcebispo Marcinkus a opção para
comprar a Banca Cattolica del Veneto. Indubitavelmente, o
fato de que o diretor-gerente do Banco do Vaticano, Massimo
Spada, era também o presidente da Pacchetti ajudou
4/66Marcinkus a esquecer as reclamações do clero de Veneza e
do patriarca Luciani.
Roberto Calvi, um dos cúmplices nessas negociações,
concordou em comprar, numa data específica, uma das
companhias de Sindona chamada Zitropo. O palco estava
armado para manipular o mercado de ações de Milão, mais
uma vez ilegalmente.
O valor da ação estava em torno de 250 liras. Sindona
instruiu o departamento de ações do Banca Unione para
comprar as ações da Pacchetti. Por intermédio de testas-deferro,
as ações foram ilegalmente transferidas para
companhias possuídas por Sindona. O preço das ações
continuou subindo na Bolsa de Valores de Milão, chegando a
1.600 liras. Em março de 1972, chegou o dia para a
concretização da venda da Zitropo a Calvi. Simultaneamente,
todas as companhias receptoras despejaram as ações da
Pachetti na Zitropo. A finalidade era valorizar artificialmente
a Zitropo. O preço que Calvi pagou pela Zitropo foi
astronomicamente mais alto do que o valor real da
companhia. Sindona obteve um enorme lucro ilegal.
Financiara toda a operação com garantias fictícias. Uma
indicação do lucro obtido nessa única operação pode ser
encontrada no fato de que, em 1978, um liquidante designado
pelo governo, Giorgio Ambrosoli, conseguiu provas de que
Sindona pagara uma comissão a Calvi de 6,5 milhões de
dólares, e Calvi, por sua vez, pagou 50% dessa comissão
ilegal ao bispo Paul Marcinkus.
4/67Por que Calvi pagaria tanto para adquirir a Zitropo? Há três
motivos. Primeiro, usou o dinheiro de outros para efetuar a
compra. Segundo, teve um lucro pessoal de 3,25 milhões de
dólares. Terceiro, quando da conclusão da transação
Pacchetti-Zitropo, obteve uma opção para comprar o Banca
Cattolica del Veneto. Sindona adquirira a opção
anteriormente. O fato de ninguém consultar Albino Luciani, o
patriarca de Veneza, nem os membros de sua diocese que
haviam colocado suas ações no Banco do Vaticano, foi
considerado, pelo bispo Marcinkus, um detalhe irrelevante.
Sindona e Calvi tomaram-se extremamente eficientes nessa
forma de assalto. Na história bancária, nunca se pagou tanto
por tão pouco. Em 1972, Calvi embolsou mais cinco milhões
de dólares de Sindona, quando as ações da Bastogi trocaram
de mãos, além de 450 milhões de francos suíços, quando
Sindona vendeu-lhe 7.200 ações do Finabank. Sindona
sempre pagava as comissões a Calvi através de sua conta
“Mani”, no Finabank. Essas quantias vultosas eram
depositadas nas contas suíças secretas que Calvi possuía junto
com a mulher. Calvi possuía quatro contas secretas no Union
de Banques Suisses e no Credit Bank de Zurique: conta
618934; conta 619112; conta Ralrov/G21; e conta
“Ehrenkranz”. O mínimo que o próprio Sindona ganhava em
cada operação era equivalente à quantia que pagava de
comissão a Calvi.
Roberto Calvi desenvolveu um apetite insaciável por esse
crime em particular, e houve ocasiões em que o cometeu
sozinho. Obrigou um de seus bancos, o Centrale, a comprar
4/68um bloco considerável de ações da Toro Assicurazioni em
1976, por 25 bilhões de liras a mais do que valia. Os 25
bilhões terminaram numa das contas suíças anteriormente
indicadas. O mesmo aconteceu com 20 bilhões de liras
decorrentes de uma operação de Calvi com mais de um
milhão de ações do Centrale. Essas quantias gigantescas não
eram apenas cifras num balanço. O dinheiro fisicamente se
transferia dos bolsos de uma variedade de acionistas,
diretamente para os bolsos de Sindona e Calvi. Ainda não foi
descoberto o que o bispo Marcinkus fez com sua comissão de
3,25 milhões de dólares do golpe com a Pacchetti.
As ações da Banca Cattolica também foram submetidas a
esse tratamento. Sindona sabia que Calvi negociava com
Marcinkus a aquisição do controle do banco, levando à
pressão no preço das ações. Ao final da operação, todos
estavam muito mais ricos, à exceção da diocese de Veneto.
Calvi fora apresentado a Marcinkus por Sindona, em 1971.
Assim, o bispo Marcinkus, que por sua própria confissão
“nada sabia de banco”, contou com dois excelentes tutores.
Enquanto isso, Marcinkus foi promovido pelo papa Paulo,
tomando-se então o presidente do Banco do Vaticano.
Os diversos departamentos do Vaticano continuaram a
descarregar uma ampla variedade de companhias em Sindona
e depois em Calvi. Em 1970, por exemplo, finalmente
venderam a Serono, uma indústria farmacêutica que tinha
entre os seus produtos de maior sucesso uma pílula oral
4/69anticoncepcional.
Uma fonte de renda adicional do Finabank, de propriedade de
Sindona e do Vaticano, era outro fator a agravar a difícil
economia italiana: o duplo faturamento. Bordoni comentou a
esse respeito:
- Não era [o desvio com o duplo faturamento] tão suculento
quanto as comissões obtidas pela exportação ilegal de
capitais, mas mesmo assim alcançava uma cifra elevada.
As exportações eram faturadas a um custo inferior ao real. A
fatura assim fraudada era paga oficialmente, através do
Banco da Itália, que passava a informação para o
Departamento da Receita. O exportador pagava o imposto por
essa cifra reduzida. O saldo era pago, pelo destinatário das
mercadorias no exterior, diretamente ao Finabank. Em muitos
casos, os exportadores italianos chegavam a apresentar
oficialmente um prejuízo, que era convertido em créditos
fiscais pelo governo. As empresas de exportação possuídas
por Sindona apresentavam tais prejuízos. Sindona subornava
diversos políticos com cargos no governo para permitir que
essa situação continuasse. Alegava que, ao agir assim,
ajudava o governo a manter em baixo nível o índice de
desemprego.
Um crime similar era cometido nas importações. A fatura
apresentava um valor muito mais elevado do que o custo real
das mercadorias. Depois que as mercadorias passavam pela
alfândega, o pagamento da cifra artificialmente elevada seria
4/70efetuado pela companhia ao fornecedor estrangeiro. Este, por
sua vez, transferia a diferença para uma conta numerada no
Finabank ou, ocasionalmente, em algum outro banco suíço.
A Igreja pobre para os pobres do papa Paulo tornava-se, em
vez disso, cada vez mais rica. O despojamento pelo Vaticano
de sua riqueza italiana levaria homens como Sindona e Calvi
a roubarem o mundo, para pagar a São Pedro e ao papa Paulo.
O Finabank era também um repassador do dinheiro criminoso
da máfia e da P2. O Vaticano tinha uma participação nessas
operações, ao manter cinco por cento da participação
acionária na Società Generale Immobiliare. Com a utilização
do Banco do Vaticano pela máfia, para colocar e tirar
dinheiro da Itália, o Vaticano possuía, em última análise, todo
o mecanismo para as operações ilícitas. O uso por Sindona e
seu grupo das contas do Banco do Vaticano no BPF já foi
explicado. Era um dos métodos de se tirar dinheiro escuso do
país e limpá-lo no Finabank. Mas era uma operação de ida e
volta, o que se chamava de lavanderia. O dinheiro escuso das
atividades da máfia no México, Canadá e Estados Unidos
também estava sendo limpo ao fluir para a Itália. A operação
era muito simples. Citarei Carlo Bordoni outra vez:
- Essas companhias no México e Canadá eram usadas para
levar aos Estados Unidos, através das fronteiras canadenses
e mexicanas, dólares da máfia, dos maçons e de numerosas
operações ilegais e criminosas; o dinheiro chegava em
valises e era depois investido em títulos governamentais dos
Estados Unidos. Esses títulos eram enviados ao Finabank.
4/71Limpos e facilmente negociáveis.
A máfia dos Estados Unidos obviamente não tinha problemas
nas fronteiras. Seu dinheiro era convertido em títulos
públicos diretamente pela Edilcentro, de Washington; depois,
os títulos também eram encaminhados ao Finabank. Se a
máfia desejava levar para a Itália uma parte do seu
dinheiro limpo, usava os canais do Banco do Vaticano.
No início dos anos 70, Sindona louvou as suas próprias
virtudes para Bordoni:
- Minha filosofia de operação se baseia na minha
personalidade, que é singular no mundo, em mentiras bem
contadas e na arma eficiente da chantagem.
Uma parte da técnica de chantagem era o suborno. Na
opinião de Sindona, um suborno era “apenas um
investimento, proporcionando um elemento de pressão sobre
o subornado”. Assim, ele “financiava” extra-oficialmente o
partido italiano dominante, o democrata-cristão: dois bilhões
de liras para garantir a promoção do indicado do partido,
Mario Barone, ao cargo de diretor-executivo do Banco di
Roma; 11 bilhões de liras para financiar a campanha do
mesmo partido contra o plebiscito do divórcio. Conseguiu
que os democratas-cristãos ganhassem bilhões de dólares.
Abriu uma conta para o partido no Finabank, conta “SIDC”.
Durante o início dos anos 70, três quartos de um milhão de
dólares foram transferidos para essa conta, mensalmente.
Sindona, que se proclamava o herói do anticomunismo, não
4/72era homem de correr risco algum. Abriu outra conta no
Finabank para o Partido Comunista Italiano, para a qual
também canalizou, do dinheiro de outras pessoas, três quartos
de milhão de dólares por mês, conta “SICO”.
Ele especulou contra a lira, o dólar, o marco alemão e o
franco suíço. Em relação à sua maciça especulação contra a
lira (uma operação de 650 milhões de dólares, inteiramente
criada por Sindona), ele disse, ao primeiro-ministro italiano
Andreotti, que tomara conhecimento de uma especulação
contra a moeda italiana e, para saber mais sobre a operação,
dera instruções a Bordoni para entrar no negócio, através da
Moneyrex, de uma maneira “simbólica”. Depois de obter
enormes lucros atacando a lira, foi aclamado por Andreotti
como “O Salvador da Lira”. Foi durante esse período que
recebeu uma homenagem do embaixador americano em
Roma. Foi escolhido “Homem do Ano de 1973”.
Um ano antes, numa recepção oferecida para celebrar a
aquisição do Daily American, de Roma, Sindona anunciara
que pretendia expandir suas operações e transferir 100
milhões de dólares para os Estados Unidos. Entre os
presentes estava seu amigo íntimo, o bispo Paul Marcinkus.
Na verdade, Sindona já estava expandindo os seus interesses
nos Estados Unidos ao comprar o Daily American. O jornal
tivera o apoio da CIA. O Congresso dos Estados Unidos
pressionava a CIA para revelar como aplicava os milhões de
dólares que lhe eram destinados. Como o papa Paulo, eles
achavam que o momento parecia propício para se livrar de
alguns investimentos embaraçosos. Sindona insiste que
4/73comprou o jornal a pedido expresso do embaixador Martin,
que temia a possibilidade de que caísse “nas mãos de
esquerdistas”. Martin, numa linguagem decididamente
antidiplomática, negou isso, chamando Sindona de
“mentiroso”.
Independentemente de quem tenha formulado o pedido, é
incontestável que o jornal era anteriormente subsidiado pela
CIA. Também não resta a menor dúvida de que esse não foi o
primeiro favor que Sindona prestou à CIA. Em 1970, a CIA
pediu-lhe que comprasse uma emissão de títulos no valor de
dois milhões do Banco Nacional da Iugoslávia. Sindona
concordou. A CIA colocou os títulos na Iugoslávia no que
considerava ‘mãos amigas”. Sindona também transferiu
dinheiro, em nome da CIA, para grupos de extrema direita na
Grécia e Itália.
Sindona foi frustrado em sua tentativa de assumir o controle
da Bastogi – a grande empresa holding sediada em Milão. O
“partido da situação” se empenhara em impedir o negócio,
em parte por temer o cada vez mais poderoso Sindona, em
parte por racismo em relação a um siciliano. Então, O
Tubarão concentrou sua atenção nos Estados Unidos. Ali,
esse italiano, que possuía em número de bancos mais do que
muitos em número de camisas, comprou mais uma instituição
bancária – o Franklin National Bank, de Nova York.
O Franklin era o vigésimo maior banco americano. Sindona
pagou 40 milhões de dólares por um milhão de ações,
representando uma participação de 21,6 por cento. Pagou 40
4/74dólares por ação, numa época em que a cotação era de 32
dólares. Mais importante ainda, desta vez comprara um banco
em estado completamente precário. O Franklin se encontrava
à beira da falência. O fato de ele usar 40 milhões de dólares
de outras pessoas, dos seus bancos italianos, sem nenhuma
consulta aos donos, não deve nos impedir de perceber que
pelo menos alguns em Nova York notaram a chegada do
garoto de Patti [9].
A verdadeira megalomania de Sindona pode ser avaliada pelo
fato de que, depois de descobrir o que realmente adquirira,
não se importou. Para ele, cuidar de bancos em situação
precária era uma ocorrência corriqueira, desde que enormes
depósitos pudessem ser mantidos em movimento no papel.
Bastava que o telex funcionasse para transferir de A para B,
depois para C e de volta para A.
Menos de 24 horas depois da aquisição e antes que Sindona
tivesse sequer a oportunidade de experimentar a sala da
presidência, o banco anunciou as cifras para o segundo
trimestre de 1972. Apresentavam uma queda de 28 por cento
em relação ao mesmo período de 1971. Sindona, O Tubarão,
o Salvador da Lira, o homem que Marcinkus considerava
estar “muito à frente de seu tempo em questões bancárias”,
recebeu a notícia à sua maneira típica:
- Tenho ligações em todos os principais centros financeiros.

Os que fazem negócios com Michele Sindona farão negócios
--
nota 9 Alusão ao próprio Sindona, que nasceu em Patti.

4/75
com o Franklin National.
Enquanto isso, os proprietários anteriores do banco riam sem
parar, enquanto se transferiam para outro estabelecimento.
Quanto às ligações importantes de Sindona, ninguém podia
negar que de fato existiam. Variavam das famílias mafiosas
Gambino e Inzerillo, na Sicília e Nova York, ao Papa Paulo
VI, cardeais Guerri e Caprio e o bispo Paul Marcinkus, no
Vaticano. Cobriam todo o espectro político; de Andreotti e
Fanfani na Itália, ao Presidente Nixon e David Kennedy, na
Casa Branca. Incluíam estreitos relacionamentos bancários
com algumas das mais poderosas instituições do mundo,
como o Banco do Vaticano, o Hambros de Londres, o
Continental de Chicago e o Rothschilds de Paris. Através da
P2 de Gelli, ele criara estreitos vínculos com os homens que
governavam na Argentina, Paraguai, Uruguai, Venezuela e
Nicarágua. Sobre o ditador nicaraguense, Somoza, ele disse a
um advogado mafioso de Roma:
- Prefiro lidar com homens como Somoza. Fazer negócios
com a ditadura de um só homem é muito mais fácil do que
fazer negócios com governos eleitos democraticamente. Eles
têm muitos comitês, controles em excesso. Também aspiram
à honestidade, o que é péssimo para as operações bancárias.
É um exemplo perfeito da filosofia da P2, apresentada a seus
membros pelo fundador, Licio Gelli:
4/76- As portas de todos os cofres de bancos se abrem para a
Direita.[10]
Enquanto Sindona fazia negócios com Somoza e procurava
um equivalente nos Estados Unidos, Gelli não se mantivera
ocioso na Argentina. Sentindo o desencantamento da nação
com a junta militar no poder, começou a tramar o retorno do
general Perón do exílio. Em 1971, convenceu o presidente
Lanusse que a única maneira de a Argentina recuperar a
estabilidade política era a volta de Perón. O general retornou
em triunfo. Uma das primeiras ações de Perón foi ajoelhar-se
em gratidão aos pés de Licio Gelli, um gesto testemunhado,
entre outros, pelo primeiro-ministro italiano, Andreotti. Perón
tornou-se o presidente da Argentina em setembro de 1973.
Enquanto Gelli se ocupava em fazer um presidente, Sindona,
depois de analisar a arena política nos Estados Unidos,
concentrava-se no homem que, em sua opinião, era o mais
próximo dos ideais políticos de Somoza e Perón: Richard
Millhouse Nixon.
Para reforçar as suas boas ligações, Sindona arrumou um
encontro com Maurice Stans, o chefe do levantamento de
recursos para a campanha presidencial de Nixon em 1972.
Ele levou uma valise grande para a reunião. Continha um
milhão de dólares em dinheiro. Sindona ofereceu a quantia a
Stans para a campanha presidencial, a fim de “demonstrar a

--
nota 10 A “Direita” (repare a maiúscula) refere-se aos governos
denominados “de direita” ou “de extrema direita”, que são
totalitários (não democráticos), como, p.ex., os regimes militares.
4/77sua fé na América”. Sua fé era, por certo, limitada, pois
insistiu que a doação para ajudar Nixon a voltar à Casa
Branca devia permanecer em segredo. Segundo depoimentos
posteriores, Stans recusou a doação. E uma nova lei federal
proibia as doações eleitorais anônimas.
Mais ou menos na mesma ocasião em que louvava o talento
bancário do Tubarão aos procuradores americanos que
investigavam a operação de títulos falsificados no valor de
um bilhão de dólares, o bispo Marcinkus emitiu um cheque
de 307 mil dólares. Era o quanto Sindona dera de prejuízo ao
Vaticano, em decorrência de transações ilegais na Bolsa de
Valores americana, com as ações de uma companhia
chamada Vetco Industries. Violando regulamentos da SEC [11],
uma corretora de investimentos de Los Angeles adquirira, em
nome de Sindona e Marcinkus, 27 por cento da Vetco. O
Vaticano pagou a multa e depois vendeu suas ações com
lucro.
Em meados de 1973, o buraco nos bancos de Sindona
alcançara proporções enormes. Uma coisa é transferir vastas
quantias no papel de um banco para outro, violando todas as
leis e cometendo os mais diversos crimes (desde que os
subornos sejam colocados nas mãos certas, é uma manobra
que pode se tornar interminável). O problema surge quando
se desviam capitais em vastas quantidades para terceiros. Um
buraco começa a aparecer. Pode ser preenchido com a

--
nota 11 SEC – Securities and Exchange Commission - é o órgão
americano equivalente à CVM - Comissão de Valores
Mobiliários.
4/78declaração de lucros falsos e inexistentes, mas isso fica
apenas no papel. Enquanto isso, o dinheiro propriamente dito
continua a ser absorvido por terceiros. O buraco torna-se
maior, os lucros falsos e inexistentes – necessários para
preenchê-lo – têm de ser proporcionalmente maiores. Sindona
estava despejando o dinheiro dos outros numa variedade de
direções: na P2, nos democratas cristãos, no Vaticano, em
juntas militares de extrema direita na América do Sul – estes
eram apenas alguns dos maiores beneficiários. Muitos de sua
equipe também estavam criando as suas fortunas pessoais.
Tudo a ver, O Tubarão sentava-se à sua mesa praticando a
arte japonesa do origami [12]. A suíte executiva na Sexta
Avenida, em Nova York, estava repleta de incontáveis
exemplares de sua perícia em dobrar papel – como tantas de
suas companhias, eram pequenas caixas vazias, empilhadas
umas sobre as outras. O Tubarão se engajava agora num
frenético malabarismo intercontinental: a fusão desta
companhia com aquela empresa financeira, a transferência
destas ações para aquela companhia. Fundir. Dividir.
Refundir.

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nota 12 Arte de dobradura de papel.
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